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MADEIRA QUE O CUPIM NÃO RÓI

imaginário do carnaval recifense

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Por: Eraldo Alves Leite
Recife/maio/2002

APRESENTAÇÃO

"MADEIRA QUE CUPIM NÃO RÓI" – imaginário do carnaval recifense, é o título sob o qual apresentamos ao Departamento de Ciências Sociais do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, esta monografia com a finalidade de pleitear o grau de Bacharel em Ciências Sociais, pela Universidade Federal de Pernambuco.

É um estudo de caso onde lidamos com o imaginário da comunidade carnavalesca pernambucana e no qual exploramos relações entre estruturas simbólicas e eventos históricos inseridos na nossa cultura popular. Seu universo é constituído por músicas pertencentes ao gênero marchas-de-bloco ou frevos-de-bloco, cuja unidade de análise é a letra musical intitulada “Madeira que o cupim não rói”.

Eleita como elemento de pesquisa, por apoiar-se na força conotativa e na riqueza expressiva dos símbolos, e por estar inserida em uma manifestação cultural das mais importantes do folclore pernambucano: o carnaval.


1) Neste trabalho a expressão comunidade carnavalesca pernambucana significa o conjunto de todos que contribuíram ou que contribuem para a manutenção do folguedo carnavalesco no folclore de Pernambuco.

2) "[... ] apareceram na forma hoje conhecida os blocos carnavalescos, que assim vieram acrescentar ao mosaico folclórico do Carnaval do Recife mais um gênero musical: a marcha-de-bloco. Trazendo uma introdução vibrante, em andamento alegro, bem à moda das contagiantes jornadas dos pastoris e presepes, seguindo-se do acompanhamento de um coro de vozes femininas, a entoar aos quatro ventos versos chistosos ou de um lirismo sem igual, a marcha-de-bloco era o complemento que estava a faltar ao frevo instrumental e ao frevo cantado nas ruas"(SILVA, 1998:23).

3) Vide capítulo III

ÍNDICE



Fig. 01 - Imóvel n° 60;

Fig. 02 - Guardiões do Frevo;

Fig. 03 - O corte de tecidos

Fig. 04 - Confecção de adereços;

Fig. 05 - O Estandarte;

Fig. 06 - O Flabelo;

Fig. 07 - Comissão de Frente;

Fig. 08 - Coral Feminino;

Fig. 09 - Orquestra de Pau e Cordas;

Fig. 10 - Porta-Flabelo;

Fig. 11 - Jovem Passista;

Fig. 12 - Alegorias de mão;

Fig. 13 - “Pierrot”;

Fig. 14 – Jovem “Destaque”;

Fig. 15 - “Destaque” masculino;

Fig. 16 - Fantasia de luxo.



EPÍGRAFE

Recife, Praça do Diário.
Fevereiro, 1963.

Desde então,
E... para sempre,
Um canto de revolta
Ecoa no carnaval recifense:

“ Queiram ou não queiram os juízes, o nosso bloco é de fato o campeão ”

B.C.M. Madeiras do Rosarinho

DEDICATÓRIA

Este trabalho é dedicado a todos que trazem em si a chama que mantém vivas as nossas tradições populares.

Eraldo leite

AGRADECIMENTOS

Desejo externar meus agradecimentos a todos que me incentivaram e aos que me apoiaram diretamente na consecução deste trabalho.

Mas, dentre todos, dedico especial atenção aos Mestres Danielle Perim Rocha Pitta, por sua paciente orientação; Renato Monteiro Athias, pela sua obstinada camaradagem; Luiz Neto Canuto e Vera Regina A. Canuto, que estiveram “sempre por perto”; ao Professor Luiz Lacerda e às Secretárias Regina Salles de Souza Leão e Claudinete B. Rosendo de Souza.

Aos membros da comunidade carnavalesca pernambucana, notadamente aos componentes do CEMCAPE (Museu do Frevo “Levino Ferreira”), e de modo especial ao casal Pita e Cristina, ex-membros do Madeiras do Rosarinho; Ademir, Presidente do Flor da Lira (do Recife); Joca, Primeiro Secretário do Batutas de São José; a todos os entrevistados e demais membros dos blocos carnavalescos de Olinda e do Recife, pelo apoio concedido durante nosso trabalho de campo.

E por fim, aos entes da minha família, em especial à minha esposa Olívia e filhos Alexandre, Bartira e Cláudia.

I - PRELIMINARES

Através desta monografia buscamos resgatar alguns valores presentes na cultura popular de Pernambuco, através da análise simbólica de uma letra musical.

“Madeira que o cupim não rói” é uma marcha-de-bloco que foge às características, até então apresentadas pelas demais, e cuja organização textual aliada à pujança melódica atuam no imaginário do recifense. Estas circunstâncias propiciam este trabalho, no qual objetivamos detectar a eficácia simbólica sobre o imaginário dos foliões, quando relacionados ao citado texto.

Mas, como afirmar que a letra musical tem um conteúdo simbólico? Quais seriam os símbolos presentes nesta música? Como são reconhecidos? Estas perguntas são respondidas, aqui, pela Antropologia Simbólica.

Através da Análise Simbólica dos elementos contidos na letra musical, embasada nas teorias de G. Durand e G. Bachelard, relativas aos símbolos, e no método de convergência, buscamos avaliar a coerência das “imagens” utilizadas pelo compositor Lourenço da Fonseca Barbosa (Capiba), para expor um fato histórico e inusitado que, hoje, subjaz no imaginário carnavalesco recifense.


4) O título da música sofre uma dupla apresentação: “Madeira que o cupim não rói” – título original, e “Madeira que cupim não rói”, forma usada popularmente, bem como algumas variações no seu último verso, onde alguns cantam “Nós somos madeira de lei que cupim não rói”; “Que somos madeira de lei que cupim não rói”, ou ainda, “Nós somos madeira de lei que o cupim não rói”.

5) Segundo Danielle Pitta, ao ministrar a disciplina Antropologia Simbólica (06/04/2000) apontando no momento Gilbert Durand, “Para se abordar a ‘convergência’ (maneira como se organizam) dos símbolos, é necessário definir os principais termos empregados: Scheme, Arquétipo, Símbolo e Mito. A respeito destes termos, vide cap. III.

6) Vide anexo


Se por um lado buscamos caracterizar esta aplicação dos símbolos em um texto musical, através de uma técnica própria, por outro lado utilizamos nossa pesquisa para elaboração do roteiro de um vídeo, no qual é ressaltado o caráter antroplógico. Neste, expomos a seqüência dos rituais de preparação para o desfile dos blocos, além da beleza plástica do carnaval pernambucano. Assim, apresentamos uma das mais importantes manifestações folclóricas - um encontro de blocos - a qual é praticada de forma muito expressiva como cultura popular, especialmente na tradição dos blocos carnavalescos mistos de Olinda e Recife. O vídeo recebeu o título de “Madeira que o cupim não rói” – um mito do carnaval recifense, por tentar traduzir também, a trama de criação da música, indo buscar no imaginário da comunidade carnavalesca os elementos que tornam este relato atípico e caracteristicamente mítico.

Para praticarmos esta análise, pesquisamos a origem da criação da marcha-de-bloco “Madeira que o cupim não rói”. Fez-se então necessário nos transportarmos idealmente aos idos dos anos vinte, conhecermos o contexto histórico da criação dos Blocos Carnavalescos Mistos e atentarmos para as ferrenhas disputas que se travaram entre alguns deles. E mais, nos situarmos acerca de suas relações de convivência e aquilatarmos o papel dos juízes (Comissão Julgadora do Carnaval) a que se refere a letra musical em estudo.

Notamos, já no início da pesquisa, que havia grande animosidade entre os blocos, e que esta gerava disputas tão acirradas, que se traduziam, por vezes, em violentos confrontos. Outra forma de disputa foi percebida entre os compositores, que, apaixonados pelos seus blocos, clubes ou outras agremiações, enalteciam e defendiam-nos com empolgadas composições musicais.


7) Este vídeo é orientado pelo professor Renato M. Athias, co-orientador desta monografia.

8) Nesta monografia são apresentadas as expressões: BCM, bloco e bloco carnavalesco, como substitutos de Bloco Carnavalesco Misto; Madeira, Madeiras, Madeira do Rosarinho e Madeiras do Rosarinho, como substitutos a B. C. M. Madeiras do Rosarinho; Batutas e Batutas de São José, em substituição a B. C. M. Batutas de São José; Banhistas ou Banhistas do Pina, em substituição a B. C. M. Banhistas do Pina; assim, este procedimento estende-se às demais agremiações congêneres.


Estas - veículos do enriquecimento do acervo do carnaval de Pernambuco – serviram, por vezes, para manter acesas polêmicas musicais. Evidenciadas, notadamente, nas marchas de bloco.

No âmbito das pesquisas sociais encontramos alguns trabalhos tratando genericamente do carnaval pernambucano , porém, somente um texto enfocando um bloco carnavalesco misto. Trata-se de "Banhistas do Pina - evolução de um bloco". Neste, pesquisou-se o surgimento e a trajetória de vida, enfatizando as glórias e apreensões, do referido Bloco. Vale a pena apontar também o trabalho mais recente neste universo, intitulado Blocos Carnavalescos do Recife - história social, origens e repertórios. Um trabalho onde se mostra o rigor da pesquisa social e uma visão panorâmica do que se passa nos bastidores das agremiações carnavalescas do Recife e Olinda. Porém, nenhum dos dois lidando da forma como o fazemos, tratando especificamente dos símbolos e do imaginário carnavalesco pernambucano.

A imprensa escrita confirma 1962 como sendo aquele o ano em que teve lugar um dos maiores duelos de campeões jamais vistos e marcantes. Vivia-se o certame anual patrocinado pela Prefeitura da Cidade do Recife e organizado pela Comissão Organizadora do Carnaval (COC), vinculada ao Departamento de Documentação e Cultura (DDC), envolvendo as principais agremiações filiadas à Federação Carnavalesca Pernambucana . Na categoria bloco carnavalesco misto concorriam a este campeonato:

Batutas de São José, Madeiras do Rosarinho, Inocentes do Rosarinho, Rebeldes Imperial, Banhistas do Pina, Diversional da Torre e Flor da Lira. Foi então que um fato inusitado ocorreu, envolvendo o “Batutas de São José” e o “Madeiras do Rosarinho”. A perda daquele campeonato pelo “Madeiras” gerou para seus componentes e para grande parte dos seus admiradores uma frustração tal, que repercute ainda hoje, passados quarenta carnavais. São unânimes a este respeito, foliões e imprensa, ao confirmarem que tudo aconteceu na Pracinha.


10) BARRETO, J. Ricardo Paes, et alii, 1994.

11) SILVA, 1998.

12) Segundo o Sr. Ademir José da Silva, Presidente do B.C.M. Flor da Lira, a Federação Carnavalesca Pernambucana, criada em 1935, substituiu a liga Carnavalesca do Recife, criada em 1934. Ambas tendo como meta principal organizar o carnaval de rua do Recife.

13) Destes blocos, hoje, não participam dos desfiles, Rebeldes Imperial, Diversional da Torre e Inocentes do Rosarinho.

14) Vide anexo Campeões em Desfile

15) Pracinha ou Praça do Diário como também é conhecida a Praça da Independência no bairro de Santo Antônio, na cidade do Recife. Palco de importantes eventos ocorridos no ambiente sócio-cultural desta cidade.


II - ALEGRES BANDOS

“Abram alas, queridos foliões
Que vai passar um alegre bando”

“UM ALEGRE BANDO”, é como nos apresenta Edgard Moraes, um grupo de palhaços em plena folia de Momo. Podemos ampliar esta especificidade para os blocos carnavalescos mistos, pois eles se fantasias, da coreografia que lhes é peculiar, quer pelo paradoxo que existe na alma foliã: nostálgica, porém, alegre.

Origem dos BCM

A respeito do surgimento dos blocos carnavalescos mistos, nos afirma Leonardo Dantas que,

“Ao contrário dos clubes pedestres, que têm suas origens em grupos de trabalhadores urbanos de uma mesma categoria ou vizinhos de um mesmo bairro ou arrabalde, o bloco carnavalesco, inspirado naqueles conjuntos de portugueses ou italianos do final do século XIX, é oriundo das reuniões familiares dos bairros de São José, Santo Antônio e Boa Vista, bem como de povoações como Torre, Tejipió, Afogados, Encruzilhada, Beberibe, Madalena, Rosarinho, como uma extensão dos presepes e procissões e queima da lapinha na noite dos Santos Reis, tão em voga na sociedade de então” (SILVA,1998:25).

Dentre os blocos carnavalescos mistos fazemos uma distinção de ordem histórica: os que surgiram conforme a origem acima e os que surgiram a partir de 1964. Aos primeiros denominamos Blocos Tradicionais e aos segundos, Blocos Saudosistas. Cada categoria apresenta algumas características particulares. Enfatizaremos neste momento, de forma sucinta, as particularidades dos blocos tradicionais, no intuito de visualizarmos o contexto no qual foi criada a música em estudo.


16) Vide (SILVA,1998, p.31)

17) Vide (SILVA,1998, p.31)


O Clima das disputas

Ocorreu, até bem recentemente, um verdadeiro fanatismo por parte dos componentes dos blocos carnavalescos mistos, entre si, pela primazia. Não raros foram os casos fatais devidos às desavenças havidas quando dos confrontos ocorridos entre eles, até mesmo durante os acertos de marcha . Se por um lado havia uma disputa musical, por outro havia todo um aparato volante para se “protegerem” os Estandartes dos clubes, troças, caboclinhos e os Flabelos dos blocos carnavalescos mistos. Isso fazia parte da tradição corrente.

Este aspecto de belicosidade entre os blocos é notório para aqueles que vivenciaram os antigos carnavais e para os pesquisadores. São apresentadas muitas notas jornalísticas noticiando fatos de delitos, contravenções e assassinatos ocorridos durante os dias de carnavais passados a algumas décadas.

“Quando os blocos iam desfilar, os homens se preveniam: cada um se armava como podia. Quem tinha pistola, levava pistola. E quem não tinha se defendia como podia. O pessoal da Comissão de Frente levava os rebengues . São aquelas varinhas que parecem uma batuta. As brigas eram feias. Quando havia, brigava homem, menino e mulher. Brigava todo mundo”. Sevi (Severina Caminha – Fundadora do B.C. M. Pierrot de São José. Recife:23/08/99)

“Na década de 30, os conflitos entre clubes carnavalescos em seus desfiles tornaram-se uma preocupação não só das autoridades governamentais como de grupos da sociedade. Para conter os ânimos, foi promovido o I Congresso Carnavalesco Pernambucano, visando acabar com a violência. Apesar das tentativas de apaziguamento dos ânimos, o Carnaval do Recife continuou a escrever histórias de conflitos e a insegurança era tanta que havia agremiações que, para sair às ruas, solicitavam, antes, uma escolta da cavalaria”.


18) Acerto de marcha: “ensaio de orquestra e coral, realizado pelos blocos carnavalescos nos meses que antecedem o carnaval”, segundo SILVA (1998:44).

19) Tipo de bengala, aparentando uma batuta, que servia de arma branca, ocultando um punhal no seu interior. Não se trata da peça artesanal apontada como “rebenque”, nos dicionários de língua portuguesa.


As polêmicas musicais

É do conhecimento de todos os carnavalescos o fato de polêmicas musicais estenderem-se por vários anos sem interrupção. A ponto de existirem expectativas entre partidários desse ou daquele compositor, para ver-se quem era o melhor. Este fato contribuiu para que hoje tenhamos, no repertório carnavalesco, várias músicas oriundas destas polêmicas.

Obedecendo ao instituído pela Federação Carnavalesca Pernambucana, os blocos devem apresentar as músicas do seu repertório, sendo obrigatórias a execução do Hino do Bloco e uma marcha-regresso. Daí existirem as célebres músicas que encantam a todos por seu lirismo. Tanto os blocos tradicionais quanto os saudosistas apresentam em seus repertórios estes tipos de canções. Os blocos saudosistas não se envolvem em disputas musicais. Eles têm como tradição homenagear outros blocos, cantando as músicas daqueles. Porém, os tradicionais ainda apresentam algumas músicas que surgiram de divergências com seus concorrentes, de tal sorte que tornou-se um ritual, uma tradição mantida por eles, o cantarem esse tipo de música durante os desfiles anuais. Este fato nos levou a relembrar algumas músicas tidas como polêmicas. Pois, estas surgiram com os primeiros blocos, conforme nos mostra Leonardo Dantas, que após relembrar o lirismo dos blocos em desfile, nos aponta o oposto: as rivalidades externas. Comenta ele:

“Mas nem tudo eram flores e confetes na vida dos blocos carnavalescos. Na busca de uma melhor apresentação, cada bloco dava o melhor de si, e nessa porfia, surgiam rivalidades, invejas e desentendimentos. No passado, ao ser fundado o bloco Bobos em Folia, logo surgiu o seu rival: Sabido não grita.”

E acrescenta:

“A rivalidade foi sempre uma constante entre os blocos, dando origem a marchas antológicas que vieram marcar o cancioneiro carnavalesco de todos os tempos. Um desses exemplos surgiu das diferenças entre Inocentes do Rosarinho e Madeira do Rosarinho, ambos fundados em 1926 na localidade do Ponto de Parada, um eterno celeiro de ressentimentos”, (SILVA,1998:41).


20)LIMA, Cláudia. História do Carnaval. Viva Capiba, no maior carnaval do mundo. Edição especial/1998-ano III. Prefeitura da Cidade do Recife, 2000, p.17.


Uma conseqüência destas disputas foi o surgimento de uma tradição de luta travada entre os compositores, que eram das hostes do bloco ou contratados entre os melhores, para falarem sobre as qualidades e tradição dos blocos para os quais criavam as músicas. Ainda nos reportando a Leonardo Dantas (SILVA, 1998:41), ao referir-se aos Bloco Sabido não Grita e o Bobos em Folia, ele nos aponta o início de uma porfia entre ambos tendo como início uma música da época.

A respeito da polêmica musical envolvendo o Madeiras do Rosarinho, é citado que a marcha-de-bloco intitulada Mágoa , de autoria de Chico Baterista , foi criada para 'mexer com o pessoal do Madeiras' a pedido de Josabá Emiliano, então presidente do Inocentes do Rosarinho, em 1954. O mesmo compositor encontra-se ligado à criação de outra marcha antológica, “Xô! Xô! Paraquedista”. Esta representou para o Madeiras um verdadeiro desafio, ao qual o bloco respondeu no ano seguinte com a marcha intitulada “Quá! Quá! Quá!”, gravada como “Paraquedista” , autoria de Roberto Bozan e que é cantada com muito entusiasmo ainda na atualidade.

Luiz de França (mais conhecido no meio musical como Luiz Boquinha) compôs em 1949, para o Madeiras do Rosarinho, uma destas marchas-de-bloco, intitulada Sinuca, por conta da rivalidade que existiu, desde a criação do Madeiras, com o Inocentes do Rosarinho. Nos conta Luiz que “Inocentes mexia com a gente do Madeiras do Rosarinho, por que a sede do Madeiras era chamada de carvoeira. Aí eu cheguei e fiz uma marcha chamada Sinuca, por que o Inocentes estava com ordem de despejo da sua sede esplendorosa, que era alugada ao bloco ”. Alguns anos depois ele comporia, a antológica marcha “Panorama de Folião”, para o “Inocentes do Rosarinho”.


21) Vide anexo Músicas Polêmicas

22) Vide (SILVA, 1998:41)

23) Vide anexo Músicas Polêmicas

24) Vide anexo Músicas Polêmicas

25) Vide anexo COMPOSITORES

26) Vide (SILVA, 1998:43)


De data recente, Getúlio Cavalcanti colocou na lista das músicas tidas como polêmicas: “Banhistas até morrer” e “Amargo regresso”, fazendo a apresentação do Banhistas, também como rival do Madeiras, acrescida de um certo desdém para com o Inocentes e o Batutas. Em “Depois de Banhistas”, ele espicaça os outros blocos, ao afirmar que “Depois de Banhistas, todo bloco é igual”.

Ainda a respeito da polêmica do “Madeiras” com o “Inocentes do Rosarinho”, nos conta Penha (da Ala Feminina do Madeiras), que havia provocação explícita toda vez que os dois Blocos se encontravam durante seus acertos-de-marcha. Eles eram vizinhos de bairro e sempre ocorriam esses encontros. Assim é resgatado o fato, por nossa entrevistada:

“Olhe! Essa história de Paraquedista foi com Inocentes do Rosarinho. Que Inocentes do Rosarinho chamava Madeiras do Rosarinho de paraquedista. E aí, Paulo, Paulo... nesse tempo era Paulo, "nera"? Tirou essa marcha: “Quem me chamou paraquedista”... Então, quando a gente se encontrava - que na época, naquelas épocas tinha os ensaios. Nos ensaios era o "conflito" da gente, né ? Então vinha Inocentes, Madeiras, né ? Aí quando a gente via Inocentes do Rosarinho, aí tocava a marcha: “Quem me chamou paraquedista”... que era pra passar por Inocentes cantando a marcha de Paraquedista. Aí o pau cantava. Quer dizer que eu ia gargalhar, né ? Quá-quá-quá, né ? “És muito jovem” ..., porque Inocentes é mais jovem, né ? “És muito jovem pra comparar/eu sou Madeiras tradicional/agora chegou a minha vez de gargalhar quá-quá-quá”. Quer dizer que eu tô gargalhando do Inocentes do Rosarinho. Aí o pau cantava .


27) Vide anexo Músicas Polêmicas

28) Vide (SILVA, 1998:52)

29) BARRETO J. Ricardo Paes: “Getúlio Cavalcanti – O Menestrel do Frevo-de-Bloco”, Recife:Cia. Pacífica, 2000, p.105.

30) Paulo Matias era, na ocasião, o presidente do Madeiras do Rosarinho.


Nesta entrevista percebemos que há fidelidade de informação no tocante aos conflitos que sempre existiram entre os dois blocos, a ponto de transformarem-se em facções. Os conflitos não eram exclusividade somente destes dois blocos, e sim de praticamente todos. Porém, há uma inversão quanto à cronologia do surgimento dos dois blocos, esta inversão é encontrada como parte da própria música “Paraquedista” quando diz “És muito jovem pra comparar, eu sou Madeiras tradicional [...]”. Este fato induz várias pessoas a acreditarem que o Inocentes realmente foi criado após o Madeiras , inclusive, por se ter no meio carnavalesco estudado, a tradicionalidade como sinônimo de antecedência. Não raro, ouvimos de participantes dos vários blocos carnavalescos tradicionais e de outras agremiações, frases tais como “É mais tradicional que”, guardando equivalência com “ser anterior a”.

“Escreveu, não leu... pau comeu!”

O imaginário do madeirense é povoado de recordações dos “velhos carnavais”. Do tempo em que as jornadas se faziam a pé, em plena avenida de um bairro. Ida e vinda com o povo acompanhando o bloco e participando. Uma outra informação nos confirma o clima de animosidade que existia entre os blocos lá pelos idos dos anos quarenta a cinqüenta. Vejamos o que se diz a respeito dos acertos-de-marcha antigos, quando se encontravam Inocentes e Madeiras:

“Aí o pau cantava. Aí o pau cantava, não tenha dúvidas. Era gente a correr, era aquele inferno. Mas era bom ... o tempo era aquele. Era ótimo. Os ensaios que a gente dava era uma maravilha de ensaio. Era gente... que parecia um dia mesmo de carnaval. Era gente “mesmo”. E acompanhava a gente. A gente chegava nessas casas, tinha bebida, tinha comida... Era muita gente” (Adeilda: ex-coralista do Madeiras, 07/11/99)


31) “Aí o pau cantava” - expressão popular que significa pancadaria aplicada indistintamente, entre os grupos. Pancadaria profusa, onde a maioria participava, quer atacando, quer defendendo-se. “O pau cantou”, gravação de autoria de Levino Ferreira, catalogada no Museu do Frevo “Levino Ferreira”, sob o n° 156, música gravada em disco de 78 rpm (n° 17.738-B), para o selo Continental, com a orquestra Tabajara, sob a regência do maestro Severino Araújo, em 1960.

32) Vide Anexo Campeões em Desfile

33) Expressão popular que indica a necessidade de assunção de responsabilidade por parte de quem afirma algo, sob pena de punição.

34) O termo “madeirense” em todo este texto refere-se aos componentes do B.C.M. Madeiras do Rosarinho, e não ao gentílico dos nascidos na Ilha da Madeira.


Nos diz a comunidade carnavalesca pernambucana que as disputas eram bastante acirradas até os idos dos anos setenta. De lá para cá, devido à conjuntura econômica em que vivemos, várias agremiações já não se exibem ou quando o fazem mostram outro ânimo e muito menor participação de seus componentes.

A imprensa e o impasse

Pelo seu papel de registrador dos eventos sociais, a imprensa escrita, à qual recorremos como fonte primária, retrata o momento histórico do impasse que culminou com a criação da música em estudo. As informações prestadas pela imprensa jornalística à época do evento, são o subsídio do qual nos utilizamos neste momento, atentando para as suas manchetes e notícias. As quais, por vezes, até contraditórias, em conseqüência dos vieses particulares dos autores da informação ou da linha editorial da empresa jornalística. Percebemos que não há consenso em relação ao mesmo fato, aqui representado pelo impasse oriundo da decisão da Comissão Julgadora, mas, desta forma evitamos a anacronia que é passível de ocorrência quando tratamos com os entrevistados ou os informantes. Já nos diziam os filósofos latinos verba volant escripta manent (as palavras voam, os escritos permanecem). Mas, como diz “Seu Nelson” em “Pau-brasil”, música do acervo do Madeiras do Rosarinho: “Aconteceu virou manchete nesse meu Brasil”.


35) Nelson Gomes Ferreira, ex-diretor do Madeiras do Rosarinho.


“Aconteceu, virou manchete”

O Jornal do Commercio datado de 02/03/62 aponta o mea culpa do DDC com o seguinte texto:

“O problema está aberto, disse o presidente do DDC e o presidente da COC, ao microfone num momento que muitos dos expectadores carnavalescos não acharam feliz, considerando que as declarações poderiam significar a confissão da própria insegurança no julgamento”.

Esta notícia que nos é apresentada sob a manchete “Reformulação dos Métodos e Incentivo maior aos Clubes Promete agora DDC”, abordando a fala do “snr. Germano Coelho, diretor do Departamento de Documentação e Cultura da Prefeitura”, nos leva ao conhecimento do protesto emanado do Bloco Carnavalesco Misto Madeiras do Rosarinho, do Clube Alegórico Dragões de Momo e da Escola Gigantes do Samba. Ainda na mesma página, sob a manchete “Comissão”, o noticioso comenta:

“Ao dizer que o problema da reformulação dos métodos de incentivo estava aberto, diante dos dirigentes do Bloco ‘Madeiras do Rosarinho’, embora o público, de modo geral, tivesse gostado das classificações, o diretor da DDC fêz com que comentários surgissem nos palanques da Prefeitura, um dos quais sugerindo que a Comissão Julgadora das agremiações carnavalescas, no carnaval de 1963, seja composta de modo mais amplo, incluindo escritores, artistas (pintores, escultores, desenhistas) e músicos (maestros, compositores)”. (Jornal do Commercio, nº 51, 02/03/62).


36) Expressão que se tornou conhecida e do domínio do grande público por ser “slogan” de uma emissora de televisão, por ocasião da criação da marcha de bloco Pau Brasil, na década de 90.

37) Grifo nosso

38) O Sr. Germano Coelho, atualmente um dos diretores do Centro de Integração Empresa/Escola (CIEE), procurado por nós, informou não ter recordação de sua participação neste episódio. Embora lhe tenha sido antecipadamente encaminhada a nota emanada pela imprensa, noticiando o fato na época em que este ocorreu. Porém, nos falou longamente a respeito de sua atuação frente ao carnaval de Olinda, quando de sua gestão como Prefeito daquela cidade, e nos tenha apresentado vasta documentação a respeito do seu sucesso como incentivador do carnaval olindense.


De conformidade com esta nota existem os indícios da “insegurança” (1ª nota) e “comentários” desabonadores à competência e talvez, à seriedade da “Comissão Julgadora” (2ª nota).

O mesmo fato assim foi noticiado sob a manchete “FORTE DISPUTA” pelo Diário de Pernambuco (09/03/62):

“Esse e outros incidentes menores foram ainda registrados, na sua totalidade contra os pronunciamentos da Comissão Julgadora, fato, aliás, que se repete todos os anos. Houve reclamações, por exemplo, quando foram anunciados o bloco e o clube campeões. A diferença de meio ponto verificada entre o Bloco ‘Batutas de São José’ (que se sagrou tri-campeão) e ‘Madeiras do Rosarinho’ fez com que as reclamações surgissem mais fortes, tanto dos componentes da tradicional agremiação, como de populares.[ ... ]”.

Na a visão deste periódico as decisões anuais envolviam descontentamentos e atitudes de desagravo por parte dos inconformados. A dissidência e atitude dos Dragões de Momo, assim foi apresentada:

“Integrantes da Comissão Organizadora do Carnaval, disseram que o clube alegórico ‘Dragões de Momo’ solicitou, antes do carnaval, setenta mil cruzeiros de auxílio, só conseguindo, entretanto, que a Prefeitura fizesse doação de cincoenta mil cruzeiros. Por causa de vinte mil cruzeiros menos, o clube passou em atitude desrespeitosa diante do público e dos dirigentes da COC que se encontravam na Praça da Independência”.

nota acrescenta, “A COC se reunirá, na próxima semana, a fim de debater a questão do clube de alegorias e outros assuntos do carnaval de 1962”.


39) Grifo nosso


Sob a manchete “CRITÉRIO TRADICIONAL” outra nota justifica o respaldo no qual se apoiou a Comissão Julgadora do Carnaval, em 1962:

“O critério obedecido pelos que julgaram os conjuntos carnavalescos, foi o de contagem de pontos de cada agremiação. Algumas vezes foi difícil julgar, face ao nível mais ou menos equivalente das respectivas agremiações. Mas desta vez não se registraram os desentendimentos e o mal–estar de outras oportunidades, correndo tudo tranqüilamente”.

Os critérios de julgamento são emanados da Federação Carnavalesca Pernambucana e orientam nos julgamentos anuais, com abrangência para todas a agremiações participantes.

“Chegou o carnaval morena”

As primeiras notícias a respeito do carnaval de 1963 tratam da seleção dos componentes da Comissão Julgadora do Carnaval daquele ano, conforme noticiado em 1962. O Diário da Noite (01/03/63) apresenta a Comissão Julgadora deste certame como formada por Geraldo Menucci, José Gonçalves Lima, Manuel Gomes, Abelardo da Hora, Ladjane Bandeira e Audálio Alves.

As relações do Batutas de São José com o fato do ano anterior são tratadas de forma superficial, porém indicativas da sua existência. A imprensa escrita nos apresenta as justificativas do seu Presidente. As manchetes e notas apresentadas a respeito dizem:

“Porque o Batutas não sai”


40) Vide BARRETO, J.R. Paes, et alii, 1994, p.66.

41) Primeiro verso da letra musical de autoria de João Santiago e José Felipe, intitulada “A vitória é nossa” – encontra-se no LP “João Santiago e os 50 anos do Bloco Batutas de São José”.


“Expondo os motivos porque o Bloco Batutas de São José, tradicional agremiação pernambucana há quatro anos consecutivos campeão em sua categoria, não sai, o Sr. José César Correia, presidente da mesma, declarou à reportagem do DIÁRIO que o fato se prendeu à necessidade da construção da sua sede própria. Em face da campanha em torno dêsse empreendimento ter tomado a atenção da diretoria e associados do Batutas, resolveu unanimemente utilizar o dinheiro que havia de ser gasto neste carnaval na construção da sede. ‘Esperamos a compreensão dos foliões pernambucanos para êste gesto da diretoria do Batutas e principalmente que colaborem com a nossa campanha. Estamos empreendendo uma grande campanha de ajuda para a construção, que está contando com a receptividade do povo de Pernambuco. No próximo ano, se Deus quizer, sairemos da nossa sede própria para sermos novamente campeões do Carnaval pernambucano’, disse-nos o presidente Cesar Correia”. (Diário de Pernambuco, 23/02/63, p. 5).

“Tradição de trinta anos”

"Há trinta e um anos, o Batutas de São José vem saindo ininterruptamente todos os anos, constituindo sempre um autêntico sucesso - somos, inclusive, tetracampeões do Carnaval. Nossa ausência, sem dúvida, será bastante sentida. Entretanto esperamos que os foliões compreendam e nos ajudem. Por outro lado, desautorizamos a divulgação de qualquer outro motivo pelo qual não sairemos este ano. Em absoluto, não existem outros motivos´, acrescentou” (Diário de Pernambuco, 23/02/63, p. 5).

As notas a seguir localizam temporalmente o surgimento público da marcha-de-bloco “Madeira que o cupim não rói”.

“Na categoria de marcha-de-bloco, estão inscritas estas composições: `Nosso carnaval´ de José Menezes; `Toma juízo´ de Nelson Costa; `Depois eu digo´ de João Santiago; `Madeira que o cupim não rói´de Capiba; `Volta´de João Santiago; `Vem, oh, folião´de José Moreira e `Sede nova´ de Nelson Costa” (Diário da Noite, 24/02/63, p.03).


42) Grifo nosso

43) Grifo nosso


Sob a manchete ‘PREMIADA’ a “CASA DE ESPETÁCULOS” (Oliveira & Marques), apresentou o resultado do concurso musical de 1963, para a categoria marcha-de-bloco: “DISCOS”

“Embora já amplamente noticiadas pela imprensa local, queremos registrar, em nossa secção, a relação das músicas carnavalescas premiadas oficialmente no concurso da Prefeitura do Recife:[...]. Frevos de bloco: ‘Vem folião’, de José Moraes; ‘Nosso carnaval’, de Geraldo Costa-José Menezes;`Volta´, de João Santiago;[...] No momento, diremos apenas da nossa satisfação em verificar que, das quatro músicas que classificamos, entre cerca de sessenta apresentadas, para o carnaval de 63, duas foram premiadas (‘Você gostou de mim’ e ‘O Nosso Carnaval’) e uma foi selecionada entre as cinco melhores do gênero (Madeira que o cupim não rói)”.

Com esta nota a imprensa levou ao grande público a música que seria consagrada até o presente, quer pelos foliões, pelos blocos que vão aos desfiles anuais, quer pelos críticos musicais e pela intelectualidade recifenses. Esta música teve grande difusão após o surgimento dos Encontros de Blocos e do lançamento do CD “Na pancada do ganzá II” onde o artista Antonio Nóbrega, discípulo armorial de Ariano Suassuna, a enfatiza, inclusive através de excelente espetáculo que leva o título da mesma e já foi apresentado em todo o Brasil.

Uma música antológica

“MADEIRA QUE O CUPIM NÃO RÓI”, é executada com paixão pela maioria dos blocos carnavalescos mistos em suas apresentações anuais. Retrata, através de profunda visão simbólica aliada à vivência com a linguagem popular, um fato que contrariou todas as expectativas dos foliões naquela ocasião. A tônica do texto é mostrar que houve uma injustiça cometida pela já referida Comissão Julgadora, e que para os componentes do Madeiras prevalece a sua tradição de bem se apresentar e gozar da primazia no gosto do povo. Na mensagem transmitida por esta letra musical percebe-se que a autoridade é desdenhada em seu ajuizamento, é contestada e desconsiderada pelo Bloco, que se auto-intitula “campeão de fato”.


44) Diário da Noite ano 17 n° 58 - 6ª feira 01/03/1963, p.5.

45) Nely Carvalho escreveu um interessante artigo intitulado “Injustiça dói”, vide anexo.


“MADEIRA QUE O CUPIM NÃO RÓI”

“Madeiras do Rosarinho
Vem a cidade sua fama mostrar
E traz com seu pessoal
Seu estandarte tão original

Não vem pra fazer barulho
Vem só dizer, e com satisfação
Queiram ou não queiram os juízes
O nosso bloco é de fato campeão

E se aqui estamos, cantando esta canção
Viemos defender a nossa tradição
E dizer bem alto que a injustiça dói
Nós somos Madeira de lei que o cupim não rói”.


46) Título e letra, conforme citado em SILVA, 1998, p 78


III - SÍMBOLO E IMAGINÁRIO

Podemos considerar como um salto qualitativo nas ciências sociais a definição de E. Cassirer, que analisa o homem, profundamente, e conclui que este se define hoje como Animal symbolicum. Desta forma, ele pode inserir-se socialmente em um ou mais dos sistemas simbólicos (arte, língua, parentesco, religião) presentes na sociedade à qual pertence. Ou ainda, assimilar sistemas simbólicos culturalmente diferentes.

Segundo o “Novo Dicionário Aurélio” a etimologia da palavra símbolo vem do grego Symbolon ou do latim Symbolu. E tem os significados de “Aquilo que, por princípio de analogia, representa ou substitui outra coisa”, e diz: “a balança é o símbolo da Justiça”, e também “aquilo que, por sua forma ou sua natureza, evoca, representa ou substitui, num determinado contexto, algo abstrato ou ausente”.

Buscando a compreensão do que seja o símbolo, admitimos que seja “todo signo concreto evocando, por uma relação natural, algo ausente ou impossível de ser percebido. É uma representação que faz ‘aparecer’ um sentido secreto. Os símbolos são visíveis nos rituais, nos mitos, na literatura, nas artes plásticas”, etc.

O estudo do símbolo é utilizado por uma ampla linha de estudiosos, através das várias vertentes da psicanálise e pela antropologia. Um dos fatores que dão relevância ao estudo do símbolo, para o antropólogo, é o fato dele associar-se intimamente a todas as culturas. Pois, desta forma, está presente em todas as manifestações da humanidade, via imaginação e interações simbólicas.

Confirmando as teorias a respeito do símbolo, e partindo da noção que a imaginação simbólica é uma função, Vera Lúcia é bastante esclarecedora a respeito da formação dos símbolos em função da imaginação simbólica ao formular a seguinte afirmação:

"A imaginação estudada por Bachelard vai fornecer símbolos, inclusive aos poetas. Às ’imagens primeiras’ ou fundamentais será dado o nome de ‘arquétipos’, para distingui-las das variações mais elaboradas que são imagens literárias, nascidas de uma tradição escrita, mas originais por suas nuanças próprias. Para o recenseamento das imagens primeiras a psicanálise é básica, pois inventariou os símbolos importantes" (FELÍCIO, 1994:94).


47) Vide CASSIRER, Ernst, 1972, pp. 47-51.

48) Definição anotada em aula do dia 06/04/2000, disciplina: Antropologia Simbólica.


Constitutivamente o símbolo possui algumas qualidades que lhe são inerentes e exclusivas. “[...] o termo que significa símbolo implica sempre a reunião de duas metades: signo e significado”, na junção destas duas partes, o signo é o suporte material do símbolo. (DURAND, 1988:16 - nota de rodapé nº 14).

Monique Augras nos apresenta uma das qualidades do símbolo que o torna particularmente importante neste trabalho. Daí depreender-se a vantagem de seu estudo referido à noção de intencionalidade do seu uso:

“Símbolos intencionais são aqueles deliberadamente elaborados pela estética, pela poesia, pela religião, em oposição aos símbolos intuitivos constituídos na adaptação do animal symbolicum ao mundo. [...]. O poeta aparece como mediador: as imagens elaboradas no seu sistema simbólico individual apresentam sintonia com o pensamento coletivo”. (AUGRAS, 1980, p. 15).

Nos diz ainda, Monique Augras, apontando a relevância da ambigüidade no símbolo - esta qualidade que o dota de uma especificidade, a flexibilidade interpretativa:

“[...]. Julgamos que, ao examinar um símbolo, devemos considerar todos os sentidos possíveis, pois a característica do símbolo é ser ambíguo. ... É mister levantar os diferentes sentidos possíveis de um mesmo símbolo, até delinear-se uma configuração, um esquema que orientará a compreensão do material.” (AUGRAS, 1980, p.94).

Este fato nos permite a observação de que o símbolo possui uma equivalência significativa, traduzida como a faculdade de o significado do símbolo existente dentro de determinada cultura poder ser traduzido de maneira diferente em outra cultura.


49) O “arquétipo - imagem primeira de caráter coletivo e inato, é o estado preliminar, zona onde nasce a idéia (Jung) - é a representação dos schemes. O scheme é anterior à imagem, corresponde a uma tendência geral dos gestos, leva em conta as emoções e as afeições. Ele faz a junção entre os gestos inconscientes e as representações”. Juntamente com o Mito, que: “É um sistema dinâmico de símbolos, arquétipos e schemes que tende a se compor em relato”, permitem o uso do método de convergência. Anotações em aula (06/04/2000), Antropologia. Simbólica, UFPE.


As definições acima nos levam a considerar o papel da mediação exercida pelos signos e símbolos, ao atuarem na mente humana. O texto abaixo nos coloca mais claramente o processo de mediação simbólica:

“Se a teoria geral dos sistemas permite entender os acoplamentos espaciais ou síntese das ciências, e se a cibernética tem algo a ver com a dimensão temporal, a interação simbólica permite entender os instrumentos simbólicos usados pela ciência para realizar sua tríplice síntese de idéias com idéias, idéias com experiência, e experiência com experiência. Esta literatura nos ensina que a experiência humana é mediada por um mundo simbólico que impede o indivíduo socializado de conhecer o seu meio ou a si mesmo sem ser por intermédio deste mundo. [...] Com relação aos meios específicos em que ocorre esta mediação simbólica, poderemos começar examinando o comportamento oculto. Só uma parte do comportamento simbólico é evidente, como no caso da comunicação oral e escrita, com a qual estamos mais familiarizados”.

Uma vez efetuada a mediação simbólica através do texto musical, podemos admitir que esta vá atuar na mente humana e encontre referências aos símbolos no inconsciente coletivo desta comunidade. Este fato permite que as imagens sejam lembradas e transmitidas por gerações, atuando sobre seu imaginário coletivo ou individual.

Enfatizaremos um dos elementos contidos do texto musical, caracterizado como um símbolo material e intencional: o cupim.


50) Vide anexo De cupim... e de madeira.

51) Vide Referências bibliográficas.

52) Inconsciente coletivo: “Na concepção de C.G. Jung, coletivo é todo e qualquer conteúdo psíquico que não seja algo próprio de um só indivíduo, mas de muitos indivíduos ao mesmo tempo, isto é, de uma sociedade, de um povo – ou da própria humanidade. São os conteúdos descritos por Lévy-Bruhl como représentations colletives dos povos primitivos. Mas, não só os conceitos primordiais devem qualificar-se como coletivos: os sentimentos também. Nos povos primitivos, essa coletivização sentimental reveste-se de caráter místico, mas, no homem civilizado a vinculação de conceitos coletivos herdados pelo inconsciente a sentimentos coletivos (idéias de deus, moral, pátria, etc) é imputável a conteúdos psíquicos, não singulares, isto é, funcionalmente coletivos..” CABRAL, Álvaro, NICK, Eva. Dicionário Técnico de Psicologia. 10ed. São Paulo:Cultrix, 2000, p.58.


O cupim e o imaginário pernambucano

Ao assumir, por conta da “flexibilidade interpretativa”, a função de símbolo, na cultura nordestina, o inseto cupim presta-se como suporte (signo) para simbolizar (significante) aquele que é tido como o destruidor por excelência: “o cupim”. Haja vista sua presença no imaginário dos abolicionistas pernambucanos, em 1884, e ainda hoje, na nossa cultura popular.

Há um fato notório na História de Pernambuco - a criação de uma organização que congregou intelectuais, cuja ideologia era a eliminação da escravidão no Brasil, e todos os resquícios que a fizessem recordar.

O “Club Cupim”

“Esquenta a Campanha da Abolição”

“José Mariano, sua mulher, Dona Olegarinha e amigos fundaram, em 08 de outubro de 1884, o Clube do Cupim. Este tinha a incumbência de lutar pela abolição da escravatura por todos os meios ao seu alcance, inclusive enviando os escravos para o Estado do Ceará, onde a escravidão já havia sido abolida.” (Pernambuco Imortal - Suplemento do Jornal do Commercio, Recife, 1995, vol. 08, p.12.)

No imaginário pernambucano, “cupim” (não somente o inseto) é tido como tudo que possa causar destruição. Uma conotação atribuída ao inseto cupim como símbolo do destruidor é encontrada também no candomblé. Encontramos ainda, na cultura pernambucana uma expressão que nos transporta a uma noção, a um sentido de “absoluto” da destruição: o “cupim de aço”.


53) Vide anexo De cupim ... e de madeira.

54) Para um estudo mais profundo sobre o Club Cupim, vide “A abolição em Pernambuco”, Leonardo D. Silva, Fundação J. Nabuco – Ed. Massangana, Série ABOLIÇÃO, Vol. X, 1988.

55) Segundo comentários do Babalorixá George de Ogum.


Outras referências oriundas do imaginário, relativas ao cupim, são notadas nos bairros do Recife:

1) Existência de uma rua com o sugestivo nome de Rua do Cupim, localizada no bairro das Graças, entre a Rua Confederação do Equador e Rua Amélia;

2) Na Avenida Conselheiro Rosa e Silva, no bairro dos Aflitos, existe o imóvel de n° 609, que substitui a casa que dava abrigo aos escravos recolhidos pelo “Club Cupim”. Lá existe uma lápide, em mármore branco com inscrições em baixo relevo, onde se lê:

“Neste local existiu a casa – demolida em 1977 – onde o Clube Cupim abrigava escravos antes de transporta-los para lugar seguro durante a campanha abolicionista. Memória do Instituo arqueológico.”

O cupim também é lembrado pela indústria. A impermeabilidade da cobertura de seus caminhos, inspirou a indústria de produtos para pavimentação de estradas. Tanto que existe à venda, um composto com o nome de baba de cupim.

Também é denominado, popularmente, “cabelo de cupim”, o cabelo carrapicho ou carrapinho. Talvez pelo formato da cabeleira lembrar a figura de um cupinzeiro em seu emaranhado interno.

Embora sem a conotação de destruidor, o cupim é lembrado na culinária, ao se denominar “cupim”, uma das peças de corte da carne bovina.


56) Há uma música carnavalesca com o título “Cupim de Aço”, autoria de Enrico Monteiro, CD Cibernética do Frevo, faixa 02/1997 – Produzido pelo CEMCAPE.

57) Este denominativo deve-se ao fato do estado de espírito (estado de aflição) em que ficavam todos aqueles que permaneciam naquela casa a espera de seu envio para local seguro, onde não fossem molestados pelos capitães do mato, e de onde seguiam para serem libertados.

58) Vide anexo Iconografia.


Capiba e o simbolismo isóptero

Percebemos que a no sistema simbólico/imaginário do folião existe a oposição “madeira x cupim”, semelhante ao ocorrido no momento da decisão do certame, o Madeiras do Rosarinho perante aqueles que compunham a Comissão Julgadora do Carnaval.

Capiba, na elaboração do texto "Madeira que o cupim não rói", recorre à propriedade do uso intencional dos símbolos. Se consciente ou inconscientemente, não sabemos. O que temos no citado texto é o “signo cupim”, assumindo a imagem da "Comissão Julgadora do Carnaval" do certame de 1962, através da criação poética.

Semelhantemente, o Bloco Madeiras do Rosarinho é assumido simbolicamente pela imagem da “madeira de lei”. Assim, pela conotação que tem “o cupim” no texto musical e a contextualização da Comissão Julgadora do Carnaval, na origem da música, eles podem ser apontados como símbolos intencionais.

O estandarte e o carnaval pernambucano

Sob o título “Símbolos do Carnaval de Pernambuco”, a estudiosa do nosso folclore, Cláudia Lima nos diz que:

“Gonfalões, bandeiras e estandartes são termos que se identificam por funções semelhantes e por serem representados por pedaços de pano com desenhos ou bordados, decorativamente, representando alegorias, insígnias ou brasões de instituições, que podiam ser desde a mais modesta sociedade até a grandeza de um país. [...]. No Carnaval, os clubes de rua não fogem ao costume das instituições em geral. Possuem, também, suas bandeiras, conhecidas pelo nome de estandartes. O estandarte é a representação do grupo carnavalesco, é o símbolo da sua imponência e do seu valor O povo vê na bandeira a autêntica representação da identidade de que é símbolo. A pessoa que a conduz fica revestida de particular dignidade. ”


59) LIMA, Cláudia. História do Carnaval. Viva Capiba, no maior carnaval do mundo. Edição especial/1998-ano III. Prefeitura da Cidade do Recife, 2000, p.29.


O Presidente do Clube Carnavalesco “Os Inocentes”, sediado no bairro da Mustardinha, pesquisador autodidata Geraldo Silva, folião de longas datas, nos acrescenta que “O estandarte é a menina dos olhos de cada agremiação”. Sendo este o motivo da ocorrência de vários quebra-paus, quando dos confrontos registrados há alguns anos, entre as agremiações carnavalescas, quer fossem clubes ou blocos carnavalescos. Acrescenta: “Bastava alguém de um dos blocos ou clubes xingar o estandarte do outro, e começava a pancadaria. Mais grave ainda, era quando alguém jogava ovo podre ou lama no estandarte do adversário. A confusão estava formada, não havia quem segurasse mais os que fossem atingidos. Em muitos casos, só a presença da polícia resolvia a questão. Ainda hoje, o estandarte é o símbolo de veneração dos blocos e clubes”.

Vale salientar que as cores guardam forte ligação simbólica e que cada agremiação tem cores definidas e definitivas em suas bandeiras. Estas fazem parte do estandarte para sempre, embora o elemento físico estandarte possa ser renovado periodicamente, desde que mantenha sua forma. O flabelo pode ser modificado a cada apresentação anual, sendo poucos os blocos que conservam o mesmo formato, a exemplo do B.C.M. Eu Quero Mais ou do Bloco da Saudade, um dos pioneiros da nova fase dos B.C.M., que mantém a fidelidade à forma do seu flabelo e às suas cores.


60) Vide anexo Iconografia.

61) Vide Monique Augras, 1980.


Simbolismo do Estandarte

A pesquisa seguinte nos confirma os elementos carnavalescos Estandarte e Flabelo (Leque) devidamente caracterizados e situados como pertencentes à categoria dos símbolos. Fato que permite sua análise como tal. E não só estes dois, e o cupim já bastante comentado aqui, como também a “madeira”; a “cidade”, a “Justiça” (injustiça), citados abaixo.

“Toda sociedade organizada tem suas insígnias – totens, pendões, bandeiras, estandartes – que são sempre colocadas num topo (haste, tenda, fachada, teto, palácio). De uma maneira geral, o estandarte designa um indício de guerra: é, ao mesmo tempo, um signo de comando, de reunião de tropas e o emblema do próprio chefe. [ ...]. Finalmente, de modo algum poderíamos omitir o simbolismo da bandeira agitada pelo vento: na Índia, ele é o atributo de Vayu, que é o regente do elemento ar; é associado à idéia de mobilidade e às fases da respiração; sob este aspecto, o simbolismo do estandarte aproxima-se muito do leque”.

Simbolismo do leque

“Na iconografia hindu, o leque é um atributo de Vishnu: porque serve para atiçar o fogo, é o símbolo do sacrifício ritual. O estandarte de Vayu, divindade do vento, poderia ser, ele próprio, assimilado ao leque. É igualmente emblema de dignidade real, na África e na Ásia, do mesmo modo que, no Extremo Oriente, do poder dos mandarins e do poder imperial. Pode-se estabelecer uma aproximação entre os leques e os flabella das cerimônias romanas. Na igreja primitiva o flabellum era utilizado no decurso da celebração do ofício divino. Até hoje, leques de grandes plumas ornam a sedia gestatória (espécie de andor no qual se conduz o Papa nas solenidades pontificais: cadeira gestatória) das solenidades, em São Pedro de Roma.”


62) Dic. de Símbolos - Jean Chevalier e Alain Gheerbrandt – José Olímpio Editora, 1988, p. 402.

63) Vide anexo Iconografia.

64) Dic. de Símbolos - Jean Chevalier e Alain Gheerbrandt – José Olímpio Editora, 1988, p. 544.


IV – “MADEIRA QUE O CUPIM NÃO RÓI” E O IMAGINÁRIO CARNAVALESCO

O farto número de figuras de linguagem presentes no texto em análise, encontradas também na linguagem popular, motivou-nos a uma pesquisa do imaginário dos foliões. O material coletado (em forma de entrevistas) nos espaços de desfile, junto aos componentes de blocos carnavalescos, de outras agremiações, e na comunidade carnavalesca pernambucana, nos conduzem à confirmação da existência de narrativas ricas de pormenores, a respeito do que vai na mente dos entrevistados.

É sabido que a linguagem, bem como uma postura ou os gestos, comportam simbolismos. Este fato permite ao pesquisador, analisar e interpretar estas expressões (quer faciais, de entonação da voz, ou corporais) e incorporá-las ao texto, já ao efetuar a etnografia e posteriormente ao analisá-la.. Por certo que nos valemos destes recursos aqui.

Uma forma de constatação de como os versos desta música gozam da empatia no meio carnavalesco é vista no modo como alguns compositores referem-se a eles. Encontramos ditas citações, em “Pra não chorar”, autoria de Romero Amorim; na letra musical “Dói, dói, dói, até no coração” de Bilau do Cardoso; “Capiba de eternas canções”, parceria de Alvacir Raposo e Luiz Guimarães; “Pau brasil” de autoria de Nelson Gomes Ferreira; “Banhistas até morrer” e “Amargo regresso”, ambas de autoria de Getúlio Cavalcanti. E de forma ampla, “na boca do povo”.


65) Vide anexo COMPOSITORES.

66) Vide anexo COMPOSITORES.

67) Vide anexo COMPOSITORES.


“A voz do povo é a voz de Deus”

Frase pertencente à sabedoria popular, na qual nos espelhamos para comprovar a eficácia simbólica contida na letra musical em estudo. Utilizando entrevistas semi-estruturadas, buscamos captar, através da função simbólica, as imagens retidas no imaginário dos foliões, quando relacionadas ao fato que deu origem à música. Os relatos que se seguem retratam o momento da criação e dos efeitos “emocionais” que esta música, como um todo, causaram em quem as ouviu atentamente.

A respeito da sua criação existe este depoimento, sem dúvidas muito importante, concedido por Dª Zezita Barbosa, viúva de Capiba. Diz o seguinte:

“Veio uma Comissão do Madeiras aqui em casa a procura de Capiba, alguns dias depois do carnaval (1962). Contaram que o Bloco tinha sido injustiçado: tinha sido roubado pelos juízes. Eles se demoraram um bocado conversando com Capiba. Lá pelo mês de outubro, Capiba entregou a música para a Diretoria do Madeiras. Então, quando foram ensaiar, Capiba foi assistir. Ele era muito exigente com as músicas que fazia, principalmente quando iam ser gravadas. Ele fazia questão de assistir aos ensaios antes das gravações.” (Recife, 02/02/2000).

“Ouvi que o Bloco Madeiras do Rosarinho desfilou com um visual magnífico e o outro, O Batutas de São José, desfilou meio “apagado”, sem muito brilho. Mas, foi o campeão. Então, o Madeiras foi a Capiba pedindo uma música que mostrasse que eles tinham sido injustiçados. Aí, Capiba fez essa música em vinte e quatro horas, e eles cantaram no último dia de carnaval. Sei que é uma música muito forte. Eu imagino o que o povo sentiu na época, vivenciando a situação da injustiça e cantando essa música. Porque até hoje ela é envolvente, ela é linda, ela contagia, entendeu? Então é uma música à qual você não consegue ficar imune. Você é contagiado, entendeu? Você consegue entender a música. Eu imagino, volto a dizer, o que sentiram os participantes do bloco cantando essa música e botando todo sentimento de injustiça pra fora, mostrando o seu protesto mesmo, pela injustiça sofrida”. (CL-Foliã, 20/10/1999).

“A gente começa falando de carnaval e sempre lembra as histórias. Eu acho que a maior história do folclore do carnaval de Pernambuco está neste carnaval. O Madeiras botou tudo que tinha para ganhar esse campeonato. Foram para a passarela ... na época o carnaval era tido assim: no terceiro dia já se sabia o resultado. Madeiras passou no primeiro dia. No terceiro dia, saiu o resultado: o Madeiras perdeu o carnaval... Isso foi uma revolta muito grande. E pasmem os senhores ! O Madeiras desfilou no terceiro dia, de costas para a Comissão Julgadora - desfilou por que as agremiações eram obrigadas a desfilar. Tocaram o surdo com uma pancada de marcha fúnebre, na passarela. Toda a agremiação passou de costas para a Comissão Julgadora. Foi quando Madeiras gravou uma música insultando os juízes. Dizia: “Queiram ou não queiram os juízes, o nosso bloco é de fato o campeão”. No mesmo dia, Paulo Braz, Presidente do Madeiras do Rosarinho, e toda a Diretoria, entregaram ao Presidente da Federação Carnavalesca, um ofício desfiliando a agremiação”. (MCN – Carnavalesco e Folclorista - UFPE ).

“Eu não tenho muito conhecimento da música, mas, pelo que tenho ouvido falar a respeito de Capiba, é que talvez fosse uma música quase assim como uma represália a um concurso que foi feito e parece que o clube não ganhou. E a letra então, fala sobre o comportamento do júri, do julgamento que foi feito da música, né? É isso que eu sei. O júri deu nota baixa a ele. Ele foi reprovado no concurso de carnaval. Madeiras no outro dia foi a Capiba, que fez essa música dando resposta àquele acontecimento. A música diz isso”. (JD – Compositor carnavalesco – jun/2001).

“Madeira que o cupim não rói, se não for a melhor é a música mais conhecida de Capiba. A letra dá indícios de que foi uma disputa que talvez o Madeiras do Rosarinho não tenha tido o resultado que queria, e é uma música de protesto. Não sei a história”. O cupim é um destruidor de madeira... as madeiras de lei, a gente sabe que o cupim não destrói. Quem seriam os cupins? Seriam os juízes, talvez, que deram esse resultado adverso ao Madeiras”. (MFS - fundador da Troça Foiará, na Várzea) “Nesse ano (1962), em que Madeiras foi comprovadamente roubado, o pessoal foi a Capiba (Diretoria do Bloco) pedindo que ele fizesse uma música, e Capiba fez Madeira que cupim não rói, que foi um grande sucesso. Um dos poucos frevos de bloco que Capiba compôs”. (GC – compositor musical/dez-2001).

A madeira de lei e a resistência cultural

É sabido, através da sócio-antropologia, que estratos da sociedade, grupos específicos, sociedades ou povos, esboçam resistências sob as mais variadas formas, quando são provocados a assim se manifestarem. Dentre estas, existe a resistência cultural, ordinariamente detectada nas manifestações folclóricas. O conteúdo da letra musical em estudo, espelha – não intencionalmente, cremos – um aspecto da resistência cultural, tendo como veículo o bloco Madeiras do Rosarinho. À intelectualidade mais atenta e voltada para a defesa dos valores populares, ou mesmo àqueles mais abrangentes, como cidadania e identidade, não passam despercebidos estes aspectos de resistência. Haja vista o artigo publicado no Jornal do Commercio, pela insigne professora Nelly Carvalho, do Depto. de Letras da UFPE, intitulado “Injustiça dói”. Referindo-se à mensagem simbólica da marcha-de-bloco “Madeira que o cupim não rói”, nos sugere, Nelly, uma forma desta ser lida como um elemento de resistência cultural:

“O hino pode ser adotado como lema de resistência em sentido amplo, para qualquer campo e caso. Assim quando Ariano Suassuna diz que a cultura brasileira lembra a mulher do piolho, na sua teimosia em não morrer à avalanche de importações e deformações, refere-se a essa capacidade de resistência da madeira de lei”.

“Madeiras”: um campeão de fato

Vale a pena verificarmos o que diz o imaginário madeirense a respeito da criação de “Madeira que o cupim não rói”, pois, nele está indelevelmente fixado aquele momento. De tal sorte que ainda hoje questionam o resultado emanado da Comissão Julgadora, e convictamente afirmam: “O nosso bloco é de fato o campeão”.

De acordo com a memória do madeirense, era esperado que o campeão daquele carnaval fosse o "Madeiras". Este ostentava as mais belas fantasias e trazia o ânimo do vencedor. Ao passo que o Bloco consagrado campeão desfilou “vestido de chitão e papelão” uma vez que sua situação de caixa era das piores e não houve como se preparar com o esmero do Madeiras do Rosarinho e dos outros desfilantes. Porém, a Comissão Julgadora, sensibilizou-se com a música de autoria de Alvinho (Álvaro Alvin) intitulada “Não deixe Batutas morrer”, composta especialmente para aquele momento de dificuldade financeira pela qual passava o bloco.

Falam os madeirenses que após o resultado emanado da Comissão Julgadora, os diretores do bloco, incrédulos e possuídos pela revolta recorreram a Capiba solicitando-lhe que fizesse uma música onde o "Madeiras" mostrasse sua insatisfação com o ocorrido. Para eles e para o público presente, aquele ato da Comissão Julgadora era a perpetração de “uma injustiça”. Então, Capiba passou aquela noite em sua residência, acompanhado por uma Comissão formada por Diretores do Madeiras, compondo a letra e acrescentando-lhe a música. Colocou-lhe o título “Madeira que o Cupim não Rói”, entregando-a aos Diretores que de imediato a entregaram à Orquestra que logo passou aos ensaios. Contam ainda que na terça-feira, quando os blocos voltaram a desfilar o "Madeiras" apresentou-se diante da Comissão Julgadora do Carnaval não subindo à passarela, usando um fumo em suas vestes como forma de protesto e cantando a música recém-criada por Capiba, deixando atônitos todos os juízes que formavam a Comissão Julgadora. E jubilosa a platéia que ali compareceu. O "Madeiras", enfim, estava de "alma lavada” e publicamente declarado pelos seus componentes que o “Madeiras era de fato o campeão”

A comunidade madeirense apresenta suas versões, onde justifica a música composta por Capiba:

“O Batutas saiu de chitão e papelão. Os chapéus deles eram de papelão. Então a chuva deu e acabou com os chapéus. Eles ganharam por que cantaram a música deles: “Não deixem Batutas Morrer”. Pelas fantasias não ganhavam. Então o Capiba achou que o Madeiras do Rosarinho é que tinha de ganhar. Que estava rico, com uma exibição rica, tinha coral na época. Um coral muito bom. Onde a gente chegava era aplaudida, era aquele chamego, e não queriam que Madeira saísse”. (Adeilda – Ex-coralista do Madeiras do Rosarinho).

“Ela surgiu assim: nós, Madeiras do Rosarinho, estávamos na cidade. Então, a gente estava rico. Rico. Mas, Batutas foi quem ganhou. E Capiba viu ... então ele veio em Madeira do Rosarinho com essa música Madeira que o cupim não rói. Pra isso diz: “Queiram ou não queiram os juízes, o nosso bloco é de fato o campeão”. Então ele veio pra Madeira, ensaiou com a gente e quando foi no outro ano, né?! Que aí não dava mais mesmo (no mesmo ano), né? Nós, que fomos ensaiar, ensaiamos na sede. Ele juntou a nossa diretoria, a Ala Feminina, e, ele começou a ensaiar com o ritmo dele, né?! Botou as que tinham as vozes mais finas (agudas) na frente e as vozes mais grossas (graves) atrás, né?! Porque é dependendo das vozes, e fez o coral. E daí nós ensaiamos, e quando foi no carnaval nós fomos pra Federação e tocamos essa marcha “Madeira que o cupim não rói”. (Penha – Ex-coralista do Madeiras do Rosarinho).


68) Vide anexo Músicas Polêmicas.

69) O fumo, é um pedaço de fita em tecido, usualmente crepe ou cetim, na cor preta, simbolizando luto por um ente querido. Hoje, em desuso na zona urbana.


A palavra de Nelson Gomes Ferreira, ex-diretor do Madeiras, a respeito do campeonato em foco é contundente:

“Houve coisa grave. Eu não tava presente, não... Eu não estava ao vivo, mas conheço a história, moro na Encruzilhada há sessenta (60) anos. Então eu acompanhava. Eu não era membro do Madeiras. Mas, eu conheço, posso esclarecer. Madeiras saiu ricamente fantasiado, disposto a ganhar o carnaval, mas fomos surpreendidos na Avenida, na hora do julgamento. Isso deu uma “baracafusada danada” (expressão significando “enorme confusão”), o pessoal não se conformou, e não era pra se conformar mesmo não. O pessoal revoltado, a Diretoria, o bloco inteiro... (Capiba) compôs a música onde diz: “Queiram ou não queiram os juizes, o nosso bloco é de fato o campeão. E acho que foi verdade mesmo”.

“Então, segundo dizem os antepassados, é que foram a Capiba. E Capiba tirou essa marcha em vinte e quatro (24) horas pra que fosse cantada na Federação como protesto”. (Jurandir, 31/10/2000).

Assegura-se no Madeiras, que Capiba nesta criação poética juntou palavras que foram pronunciadas pelos componentes da Comissão que o procurou. Observou o ânimo exaltado daqueles diretores e propôs-se a lhes atender. Dentre as frases sobressaiu aquela em que se fala em defesa da tradição do bloco. Para um componente de bloco, ou outras agremiações, a palavra “tradição” tem um forte significado.

No universo carnavalesco é de uso comum o vocábulo tradição para designar, dentre outros atributos o de ascendência, predominantemente. “Tem tradição, tem glória, tem história pra valer...” (Alvinho – NÃO DEIXEM MORRER BATUTAS); “Viemos defender a nossa tradição” (Capiba – MADEIRA QUE O CUPIM NÃO RÓI); “Se o Recife souber / O que é tradição / Meu Banhistas vai ser / Seis vezes campeão” (Getúlio Cavalcanti - BANHISTAS ATÉ MORRER); “Viemos para cantar / Glórias e tradições / De um bairro secular / À luz dos seus eternos lampiões” (Fred Monteiro - Hino do B. C. M. FLOR DA VITÓRIA RÉGIA).

Ao defender a sua tradição, o Bloco Madeiras do Rosarinho invoca seu passado de glória. A grandiosidade dos desfiles, o grande quadro de sócios e desfilantes que o compunham nos bons tempos.

As reminiscências de Zezé nos ajudam a entender o conceito de tradição que predomina no imaginário dos carnavalescos. Vejamos o que ela nos diz:

“Madeira era um bloco que quando saia na Matinha enchia a rua... gente assim! O diretor de Madeira, que amava Madeira do Rosarinho, era o finado Quirino. Ele trabalhava na Sé de Olinda, ele fazia as instalação do bloco (iluminação elétrica do interior da sede e das ruas periféricas), fazia tudo aquilo e num cobrava nada. A gente fazia o carnaval, trabalhava, num se ganhava nada, mas, trabalhava tudo com amor. Viegas trabalhava com amor. Tudo trabalhava com amor. Mas, hoje em dia não tem mais isso”.


70) Nos fichários do Bloco, conseguimos confirmar 810 sócios, dentre as fichas salvas da enchente e as dos que se associaram após a catástrofe. Uma parte das fichas foi perdida para sempre.


Outra frase, que teria sido pronunciada no momento em que a comissão de Diretores do Madeiras esteve com Capiba, e que sobressai no imaginário dos entrevistados, é “a injustiça dói”, quando aludem ao fato daquela disputa com o Batutas. Para eles é como se houvesse uma redenção perante o público, ao se mostrar na música, a “injustiça” pela qual passou o “Madeiras”. E tentam, assim, explicar porque a decisão dos juízes não prevaleceu “de fato”, e sim de direito.

Porque “A injustiça dói”

“Acho que é por isso que tem a injustiça e diz: “Queiram ou não queiram os juízes, o Madeiras será sempre o campeão” - modificação da letra. (Adeilda – componente do Coral do Bloco, por ocasião do evento).

“Foi uma perda do campeonato de "Madeiras" para "Batutas". Então "Madeiras" se sentiu injustiçado na época através dos seus diretores” (Jurandir, 31/10/99).

“As fantasias da gente tava muito rica. O bloco da gente tava muito rico. E o Batutas de São José saiu de chitão e papelão. Então deu a chuva e desmanchou Batutas.

Mas, Batutas foi campeão na frente de Madeiras”. (Penha, figura do coral do Madeiras, por ocasião do evento).


71) Local onde foi fundado o Madeiras do Rosarinho, hoje, Rua Amapá, no Rosarinho.


Segundo Nelson Gomes Ferreira, “Os aplauso veio de pé” , nos cinco campeonatos conquistados sob sua presidência e também em 1962. Em sua fala, nos afirma:“Tomaram o campeonato para Batutas. Madeiras realmente ganhou, mas não quiseram reconhecer. Ganhou de fato, mas não ganhou de direito. Prevaleceu a decisão dos juizes. Foi mantido o veredicto dos jurados. Deram o campeonato a Batutas de São José. Isso deu muito o que falar. Aí vem a história de Capiba... esse carnaval foi em 62. O pessoal revoltado na época procuraram Capiba pra fazer uma música, um protesto, uma espécie de resposta. Tava tudo inconformado. Agora, Capiba fez essa marcha “Madeira que cupim não rói” em quarenta e oito (48) horas ... não dava nem tempo pra fazer a música. Já na terça-feira estava pronta, com o pessoal cantando. Pra desabafar ... como um desabafo ... uma represália” - canta a música com alguns tropeços. (Recife,10/10/99).

A forma como foi conduzido o julgamento deste certame (1962) foi posta em dúvida a todo momento e por várias pessoas da comunidade carnavalesca pernambucana. O depoimento do compositor Luiz Boquinha, é contundente:

“Carnaval antigamente era muito bom. Não tinha Federação, os concursos antigamente eram uma coisa leal, só ganhava quem merecia. A Federação já leva os campeões na mão. Já vai pronto. Não é como antigamente que só ganhava quem merecia”. (Luiz de França. Recife, 08/06/01).


72) In: Pau-brasil - penúltimo verso. Vide anexo Músicas Polêmicas.

73) Vide (SILVA, 1998:43).


V - ANÁLISE SIMBÓLICA

Por atender aos crivos classificatórios impostos pela teoria diretriz do nosso trabalho, admitimos ser passível de análise o texto. Pela distribuição dos símbolos ao longo deste, e pela forma como se encadeiam, visualizamos como mais propício para esta análise o método de convergência.

Com este método, onde se observa que os símbolos vão se complementando mutuamente, podemos analisar todos aqueles presentes na letra musical, por percebermos que há complementaridade de símbolos icônicos com símbolos literários e gestos simbólicos, não necessariamente nesta ordem. Todas as imagens mostradas pelo poeta são do domínio da cultura popular. Fato este que situa o texto musical num patamar de compreensão muito elevado junto às pessoas menos favorecidas intelectualmente, daqueles que se encontram, inclusive no nível do analfabetismo, mas, que têm a característica da argúcia e do poder de crítica natos. Após estas considerações, buscamos efetuar a análise dos símbolos, na seqüência em que os mitemas aparecem no texto.

Características do texto

1) Texto em língua portuguesa, classificado musicalmente como “marcha de bloco” ou “frevo de bloco”, intitulado “MADEIRA QUE O CUPIM NÃO RÓI’;

2) Criado em circunstâncias especiais, devido a uma polêmica ocorrida entre o Madeiras e a Comissão Julgadora do Carnaval no certame de 1962, pelo compositor Capiba, para o Bloco Carnavalesco Misto Madeiras do Rosarinho;

3) Transformado em música, foi gravado pela primeira vez em 1963 pelo Coral Mocambinho na Folia (Bloco Mocambinho na Folia), pela Gravadora Mocambo, em disco de 78 rpm, sob o nº 15.474 lado B (Um exemplar destes está catalogado no Museu do Frevo “Levino Ferreira” sob o n° 269).


74) Vide: TORRES, Zilah Barbosa. Capiba: um nome, uma vida, uma época. Recife: Fundação Antonio dos Santos Abranches – FASA, 1985. 233p.: Ilust., retratos.


Conteúdo analítico

Madeiras do Rosarinho” representa o próprio B. C. M. Madeiras do Rosarinho, com suas tradições, sua história de vida, através de seus dias de glória. Ressalta-se aí, tão somente o Madeiras glorioso, vitorioso, imaginado imbatível naquele momento;

“Vem à cidade, sua fama mostrar”: o “vir” conota o desafio de “estar presente mais uma vez”, de não recuar diante das adversidades; a “cidade” simboliza o teatro amplo, a “arena”, o “Circus Maximus”, onde se travam os grandes embates, perante todos os olhos e olhares. E como reza o dito popular “Quem não deve, não teme”, o Madeiras voltou à cidade para que todos conferissem sua fama, sua grandeza;

“E traz com seu pessoal seu Estandarte tão original”: o “trazer”, tem o significado de “conduzir consigo seu símbolo máximo”, ao passo que esse “seu pessoal” de que fala o poeta, representa o elemento humano que compõe o bloco. Investidos de toda sua emoção, a sua solidariedade aflora a cada novo desfile. E aí, desfilam seus sonhos e ânsias; aqui o “Estandarte” substitui plenamente o “Flabelo” , pois, carrega consigo o mesmo simbolismo, embora difiram na forma;

“Não vem pra fazer barulho, vem só dizer, e com satisfação, queiram ou não queiram os juízes, o nosso bloco é de fato o campeão”: analisando de per si as frases ( vistos aqui como mitemas) que compõem este verso, verificamos que todas são simbólicas, conotam uma finalidade específica neste contexto.

“Não vem pra fazer barulho” – conota, de antemão, o comportamento daquele que vem consciente daquilo que quer transmitir, e admite-se que o interlocutor poderá ouvi-lo, porém, com seu espírito desarmado;


75) Vide anexo “Simbolismo do Estandarte e do Flabelo”


“vem só dizer” nos conduz a vislumbrar uma atitude clara de quem não pretende polemizar, mas, sim confirmar uma decisão amadurecida e definitiva;

com satisfação: “com o peito estufado”, “com a alma lavada”, “firme e forte”, “senhores da situação”, donos de um “tô sabendo de tudo” (a respeito da guerra que se travou nos bastidores);

“Queiram ou não queiram, os juízes, o nosso bloco é de fato o campeão”, dentre as frases simbólicas é a que mais inflama àqueles que cantam a música, ou que com ela se identificam. Ela mostra-se como uma “válvula de escape” às pressões sociais, como um “grito do fraco contra o forte”, “grito do oprimido contra o opressor”.

Este, ao nosso ver, é o verso que mais desperta a simpatia por esta música e pela ênfase e vibração dos entrevistados e participantes dos desfiles, é aquele que mais atua sobre o inconsciente coletivo dos foliões. Isto, também em razão das narrativas que se difundem a respeito do fato que deu origem à criação da música, sendo uma delas, a de que houve ingerência política (gerando uma injustiça) que influenciou na decisão da Comissão julgadora do Carnaval, naquele momento;

“E se aqui estamos, cantando essa canção, viemos defender a nossa tradição e dizer bem alto que a injustiça dói”: esta estrofe sintetiza o sentimento de apego à tradição que existe, de forma latente, nos componentes dos blocos carnavalescos, bem como nos membros de outras agremiações. Além do mais, denunciar, de forma bem clara, “em alto e bom som” que houve o cometimento de uma injustiça contra si. Esta teria provocado aquele sentimento de revolta com o veredicto dos juízes e lançado sobre eles o descrédito como personagens qualificadas para uma decisão justa;

“Nós somos madeira de lei, que o cupim não rói” esta oposição imaginária vem sendo explorada pelos madeirenses desde a criação da letra musical. Ela sintetiza simbolicamente a resistência do Madeiras perante todas as adversidades sofridas desde sua criação. Oposição onde se mostram como equivalentes de resistência máxima, perante o destruidor de madeira mais feroz e tenaz que se conhece: o cupim.


76) Há uma música que lhe pode equivaler no sentido de atuação sobre o inconsciente coletivo: “Pra não dizer que não falei de flores”, autoria de Geraldo Vandré, a qual serviu de hino aos que se opunham ao regime militar implantado no país em 1964.


VI – CONSIDERAÇÕES FINAIS

“O poeta aparece como mediador: as imagens elaboradas no seu sistema simbólico individual apresentam sintonia com o pensamento coletivo.”

(Monique Augras)


Não trataremos de vos apresentar uma síntese. Emitiremos somente um breve comentário a respeito daquilo a que nos propomos: detectar a eficácia dos símbolos em relação ao imaginário carnavalesco recifense, concretamente dos que vivenciam a cultura do carnaval de Olinda e Recife, mais especificamente.

Não podemos inferir qualquer tipo de culpa à Comissão Julgadora do Carnaval, pelo fato do campeonato ter sido conferido ao B. C. M. Batutas de São José e não ao B. C. M. Madeiras do Rosarinho, pois, admitimos que esta seguiu orientação da Federação Carnavalesca Pernambucana. O fato de não ser aceita pelos madeirenses a decisão dos juízes, como ato coerente, recai tão somente sobre a expectativa existente, do próprio sucesso do Madeiras, em razão do magnífico visual que apresentou, em detrimento das fantasias do Batutas. E o julgamento do visual, do brilho das fantasias, foi apenas um, dentre os vários quesitos postos em julgamento.

Porém, muito estranho nos pareceu o silêncio da C.O.C. e demais participantes, em relação ao fato. Acreditamos que permanecerá aberto o espaço para as justificativas da Comissão Julgadora. Falemos da análise efetuada.

Os símbolos presentes no texto em estudo, devidamente caracterizados de acordo com a teoria adotada, mostram sua eficácia somente quando tratados em conjunto. Nossa expectativa era a de que ao falarmos nos símbolos, estes despertassem o mesmo efeito de curiosidade ou interesse no interlocutor. “Cidade”, “Seu pessoal”, “Estandarte”, “Não vir pra fazer barulho” (vir na Paz, ser portador de comportamento não belicoso), o “Vir só dizer, mas, com satisfação”, foram praticamente ignorados como símbolos. Notamos reações emocionais, por parte dos entrevistados, somente quando falávamos “do cupim” (veja a entrevista de MFS, p.mm), da “injustiça” (veja-se o subtítulo “Porque a injustiça dói”) ou da frase (mitema): “Queiram ou não queiram os juízes, o nosso bloco é de fato o campeão” (veja-se, por exemplo, a entrevista de CL, à página mm).

Quanto ao ente que de certa forma destacamos no texto, de acordo com os entrevistados, cumpre claramente a função de símbolo. Podemos então afirmar que a teoria “bate” com a prática, ao vermos que a figura apenas suspeitada de representar o “elemento destruidor por excelência” é, por uma epifania, mostrado em forma de “cupim”. Vemos aí a aplicação do simbólico na música que retrata a frustração do Bloco Carnavalesco Misto Madeiras do Rosarinho com a Comissão Julgadora do Carnaval, em 1962.

Desejamos que outros estudiosos do imaginário façam da existência dos Blocos Carnavalescos, Clubes Carnavalescos, Troças, Ursos, Laurças, Caboclinhos (ou Cabocolinos), Tribos, Maracatus, Ciranda, Coco de roda, Candomblé, e outras manifestações folclóricas, o seu ponto de partida para um estudo mais aprofundado neste campo, ainda em estado de quase virgindade, que pede sua exploração. Que a Universidade olhe com simpatia para o campo do folclore e enriqueça nossas bibliotecas com obras que mostrem “a cara do povo”. Do nosso povo. Que os erros aqui cometidos sejam corrigidos pelos que vierem a lidar com o imaginário e o simbólico. Antropólogos do futuro, Evohé!

VII - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO, Rita de Cássia Barbosa de. Festas Públicas e Carnavais – o negro e a cultura popular em Pernambuco, in: O Negro e a Construção do Carnaval no Nordeste. L. S. de Almeida (Org.). Edufal – Série Didática, nº 4. Maceió, 1996.

ARAÚJO, Rita de Cássia Barbosa de. Festas: Máscaras do Tempo – Entrudo, Mascarada e Frevo no Carnaval do Recife. Fundação de Cultura Cidade do Recife. Recife, 1996.

BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. Ed. Eldorado, 1976.

DA MATTA, Roberto. O carnaval como um rito de passagem. In Ensaios de Antropologia estrutural. Petrópolis: Vozes, 1973.

DURAND, Gilbert. Mito e Sociedade. A mitanálise e a Sociologia das Profundezas. Ed. A Regra do Jogo, 1983.

DURAND, Gilbert. O imaginário – ensaio a cerca das ciências e da filosofia da imagem. Rio de Janeiro: Difel,1999.

DURAND, Gilbert. Mito, Símbolo e Mitodologia. Ed. Presença, 1982.

ELIADE, Mirceas. Morfologia e função dos mitos. In Tratado da história das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1970.

GOLDWASSER, Maria Júlia. O Palácio do Samba. Zahar: Rio de Janeiro, 1975.

JUNG, C. G. O Homem e seus símbolos. São Paulo: Nova Fronteira, 1977.

MEDEIROS, João Bosco. Redação científica. São Paulo:Atlas, 1991.

PHILLIPS, Bernard. Um quadro de referência esboçado e ilustrado (1.1 – Esboço do quadro de referência: interação simbólica. In Pesquisa Social – Estratégías e Táticas. Rio de Janeiro: Agir, 1974.

REAL, Katarina. O Folclore no Carnaval do Recife. Massangana: Recife, 1990.

RICHARDSON, R. Jarry. Pesquisa Social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas 1989.

VIII - BIBLIOGRAFIA

AUGRAS, Monique. A Dimensão Simbólica. Rio de Janeiro: FGV, 1980.

CASSIRER, Ernst. Uma chave para a natureza do homem: o símbolo. In: Antropologia Filosófica – uma introdução a uma filosofia da cultura humana. 2ed. São Paulo: Mestre Jou, 1972.

DURAND, Gilbert. O vocabulário do simbolismo. In: A imaginação simbólica. São Paulo: Cultrix, Editora da Universidade de São Paulo, 1988. Tradução de Eliane Fittipaldi Pereira.

FELÍCIO, Vera Lúcia G. A Imaginação Simbólica nos Quatro Elementos Bachelardianos. São Paulo: EDUSP, 1994. (Ensaios de Cultura, vol. 05).

EVANS-PRITCHARD, E. E. Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande.

SILVA, Leonardo Dantas. Blocos carnavalescos do Recife - história social, origens e repertório. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1998.

DICIONÁRIOS

Jean Chevalier e Alain Gheerbrandt - Dicionário de Símbolos. José Olímpio Editora, 1988.

GRIMAL, Pierre. Dicionário de Mitologia Grega e Romana. 3ed. Bertrand Brasil.

IX - ANEXOS

ANEXO 1

COMPOSITORES

Citaremos alguns nomes de compositores que embora já tenham sido apontados no texto, não tiveram seus dados biográficos explicitados de imediato na fonte de consulta.

Alvacir Raposo, é oftalmologista, poeta e escritor;

Alvinho (Álvaro Alvim), compôs para o Batutas de São José;

Bilau do Cardoso (nome artístico), é comerciante;

Capiba, vide obra da escritora Zilah Barbosa em Referências Bibliográficas;

Fred Monteiro, funcionário público, criador do BCM Flor da Vitória Régia;

Geraldo Silva, Presidente do C.C.M. “Os Inocentes”, é funcionário público;

Hugo Martins, radialista, cineasta, Presidente do Museu do Frevo “L. Ferreira”.

João Santiago e José Felipe (pai e filho), compuseram, principalmente para o Batutas de São José;

Luiz Guimarães, empresário fonográfico e médico;

Nelson Gomes Ferreira, ex-presidente do Madeiras do Rosarinho;

Roberto Bozan, funcionário público, já falecido;

Romero Amorim, Bráulio de Castro e Inaldo Moreira, juntam-se ao grande quadro de mestres da música carnavalesca pernambucana. A qual conta ainda com maestros de renome, dentre estes estão José Menezes, Geraldo Santos, Duda, Ademir Araújo.

ANEXO 2

UM VÍDEO ANTROPOLÓGICO

O vídeo em elaboração é o produto a ser apresentado como resultado final à disciplina Estágio 1 (CS 271) do currículo do curso de Ciências Sociais, desta Universidade. Ele segue a linha dos vídeos documentários.

Para sua elaboração utilizamos entrevistas videogravadas, locações ou outros elementos que se fizeram necessários. Este vídeo terá como tema o mito encenado pelo B. C. M. Madeiras do Rosarinho e tem como diretriz a monografia “Madeira que cupim não rói – imaginário do carnaval recifense”, de nossa autoria. Sua proposta é apresentar os aspectos antropológico dos Desfiles de Blocos Carnavalescos que ocorrem em Recife e Olinda. Apresentar a produção das fantasias e adereços numa oficina de um dos blocos do Recife.

Buscamos, junto aos que participam do reinado de Momo, desvendar a criação da marcha de bloco, de autoria de Capiba, intitulada “MADEIRA QUE O CUPIM NÃO RÓI”.

A audiência à qual o dirigimos é o público em geral e os que lidam com a antropologia, em particular. A mensagem a ser transmitida é a da comprovação do “mito do campeão de fato” como uma criação dos madeirenses.

FICHA TÉCNICA

Título:

MADEIRA QUE O CUPIM NÃO RÓI – Um mito do carnaval recifense

Orientador:

Renato Monteiro Athias (Departamento de Áudio Visual – Pós-graduação em Antropologia / Universidade Federal de Pernambuco).

Autor/Diretor/Roteirista/Editor: Eraldo Alves leite

Câmeras:

Lenidalva Carvalho

Eraldo A. Leite

Auxiliar de Câmera:

Pedro Carvalho

Equipamento utilizado:

Câmera Sony ( Pertencente ao L.A.V. - UFPE)

Câmera Sony Handycam Vídeo 8 – CCD-TR403BR – PAL-M

Câmera Panasonic PV-610 - VHS


77) Aguardando edição para o segundo semestre de 2002, no Laboratório de Audiovisual da Pós-graduação em Antropologia/UFPE.


ANEXO 3

CAMPEÕES EM DESFILE

A cultura carnavalesca de Pernambuco data de longas datas. Já se documentou a respeito, magnificamente. Basta lembrar alguns nomes como os de Mário Souto Maior, Valdemar Valente, Zilah Barbosa Torres, Leonardo Dantas Silva, J. Ricardo Paes Barreto, Nos ateremos a falar sucintamente a respeito dos Blocos Carnavalescos Mistos, no tocante às suas características e modus operandi relativo aos desfiles, inclusive adotando a nossa classificação didática, que os distingue em tradicionais e saudosistas.

Blocos Tradicionais

Os blocos carnavalescos mistos tradicionais conservam da sua estrutura inicial, os rituais, a devoção aos antepassados, à natureza e o culto aos seus heróis. Nas suas canções sempre são lembrados um personagem benfeitor, um grande amor ou um sonho não realizado. É notório que entre eles sempre existiram rivalidades; internas e externas. Estas são reveladas nas suas composições musicais e destas rivalidades (que sempre geraram dissidências) surgiram alguns blocos cuja origem é sobejamente conhecida no meio carnavalesco do Recife e Olinda. Surgidos nestas circunstâncias, estão o Bloco Carnavalesco Misto Batutas de São José, originário de uma dissidência do Bloco Carnavalesco Misto Batutas da Boa Vista, em 1932, e o Bloco Carnavalesco Misto Madeiras do Rosarinho, surgido da dissidência dos diretores do Bloco Carnavalesco Misto Inocentes do Rosarinho no ano 1926.

A maioria dos componentes dos blocos carnavalescos mistos tradicionais do Recife, são pessoas de pouco poder aquisitivo. Elas têm numa festa como o carnaval uma forma de se afirmarem socialmente, de buscarem sua identidade individual dentro destes grupos. O bloco carnavalesco cumpre assim o papel de elemento agregador desta fração da sociedade. É o espaço onde os sócios e “habituês” têm garantido o seu lazer e uma forma de criar redes de relações. Estas redes são concretizadas em torno da vida de cada membro, das suas habilidades, das suas posições sociais, preferências religiosas e estendem-se a todos os membros daquela comunidade. Apresentam-se relações fortes, coesas, onde aflora a cada momento a solidariedade humana. Bem como as rivalidades. Estas se nos apresentam como “mais visíveis”, e quando explicitadas em torno do bloco, levam a disputas, representadas às vezes pelo conflito verbal e corporal. Este é um dos fatos que poderiam justificar certas atitudes de beligerância entre alguns blocos no passado. Esta pode também ser associada à bebedeira à qual se entregam vários desfilantes durante as apresentações das agremiações. As autoridades policiais exercem um poder de coibição tido como “brando” em relação às bebidas alcoólicas (cachaça, batida, rum, bate-bate, gim, conhaque de alcatrão, ginebra ou zinebra, etc), as quais são consumidas em larga escala no período de momo.

Blocos saudosistas

O segundo grupo de blocos é representado pelos que buscam resgatar as origens do folguedo. São compostos por pessoas de nível intelectual e financeiro de padrão mais elevado que os dos blocos tradicionais. São formados em sua totalidade por familiares e amigos destas famílias que residem nos conhecidos bairros “nobres” da cidade ou de sua periferia. Têm, em sua maioria o terceiro grau da educação formal e pertencem às classes média a média alta, de acordo com a classificação sociológica baseada no poder aquisitivo dos indivíduos. O resgate das tradições carnavalescas ocorre em termos de formação do conjunto, manutenção do figurino, da orquestra de pau e corda, do coral feminino, do flabelo bem trabalhado, das fantasias à escolha do componente, da manutenção das suas cores e de muita alegria. Não são filiados à Federação Carnavalesca Pernambucana. Elaboram seu próprio roteiro de desfile e desfilam geralmente no bairro onde se localizam. A casa de um dos membros é o “ponto de encontro” para a troca de vestuário e afinação dos instrumentos – nos momentos que antecedem os desfiles.

Graças aos blocos saudosistas o Recife assiste a um espetáculo de rara beleza plástica: um encontro de blocos. Neste encontro várias agremiações reúnem-se em local e horário previamente combinados e iniciam o espetáculo que se traduz no mais alto ponto do carnaval do Rio Branco (Recife Antigo), na Rua da Aurora e também pelas ladeiras de Olinda.


78) Sócios são todos que fazem sua inscrição no “Quadro de Sócios”, podendo frequentar assiduamente ou não as atividades sociais da agremiação. Neste “Quadro” existem categorias variadas, inclusive a de Sócio Benemérito, que se distingue por serviços prestados à agremiação. “Habituê” é aquele frequentador assíduo, que pode ser um sócio ou não.


ANEXO 4

MÚSICAS POLÊMICAS

Denominamos de polêmicas às músicas que tiveram o propósito de provocar reação dos compositores ou componentes dos blocos rivais. Enquadram-se nesta classificação: “Sinuca”, “Mágoa”, “Xô! Xô! Paraquedista”, “Paraquedista”, “Banhistas até morrer” e “Amargo regresso”.

Incluímos, embora não se enquadrando como música polêmica, “Não deixem Batutas morrer”, por ter sido a música campeã executada pelo Batutas no campeonato de 1962.

Por acharmos pertinente, acrescentamos algumas músicas que fazem alusão a algum verso contido em “Madeira que o cupim na rói” ou diretamente ao B.C.M. Madeira do Rosarinho. São elas: “Dia azul”, “Pra não chorar”, “Dói, dói, dói até no coração”, “Pau Brasil”, “Valores do passado” e “Capiba de eternas canções”, às quais denominamos de músicas afins.

Cabe aqui uma observação:

Nos exemplares da Monografia, entregues à Banca Examinadora, não constam as letras das músicas citadas acima, mas, tão somente a relação nominal destas.

AS MÚSICAS POLÊMICAS

SINUCA

Luiz de França (L.Boquinha)

Quem tem dois olhos bem vê
Procura outro caminho,
Quem tem telhado de vidro, pra quê
Jogar pedra no telhado do vizinho.

Tu falas pra quem não te conhece
Mas, nós não caímos em arapuca
A nossa gente é modesta
Pra quê fazer festa
E viver em sinuca.

Perguntas por mim,
Eu estou com você
Deste o teu golpe errado
Sem baiana e sem Bahia,
Estou na folia
Brincando acertado.

(Música inédita até o momento).

MÁGOA

Chico Baterista – 1954

Na vida há três dias
De glória e prazer
Tristeza e desilusão
Desiludido é assim teu viver
Com mágoa no coração
E o “Inocentes” tem a primazia
É o espelho de glória a brilhar
Na liderança gozar simpatia
Exemplo no carnaval

Não tenhas mágoa
É carnaval
Se somos ricos de glória e prazer
É o nosso ideal
Sei que a inveja, quer ocultar
Bem, reconheces que estais bem distante
Do carnaval.

Frevo de Bloco do acervo musical do Inocentes do Rosarinho

XÔ..., XÔ..., PARAQUEDISTA

Chico Baterista

Deixa de ser presunçoso
Teu lugar é lá atrás...
Esta fila é só pra quem é bacharel
E tem diploma do carnaval
Toma juízo,
Vai pra trás, estás errado.
És um errado, enfim, um vigarista
Xô..., Xô..., paraquedista!

Olha bem de perto
E presta atenção
Pois não está certa
Esta presunção
Deixa de prosa,
Sai daí, seu atrevido
Não insista,
Xô... Xô... paraquedista.

PARAQUEDISTA

Roberto Bozan

Quem me chamou paraquedista
Não pense que eu vou parar
A vida só é boa assim

Compõe tu de lá
Eu de cá
És muito jovem pra comparar
Eu sou Madeiras tradicional

Agora chegou a minha vez
De gargalhar
Quá-quá-quá-quá!

CD: 470.271 - 20 Supersucessos – História do Carnaval – Frevo de Bloco – Faixa 07

BANHISTAS ATÉ MORRER

Getúlio Cavalcanti

Sou Banhistas do Pina
Até morrer
Este é o meu jeito de feliz viver
Se o Recife souber
O que é tradição
Meu Banhistas vai ser
Seis vezes campeão

A madeira da fé

Já não está mais em pé
Quem dizia já deu cupim
Só restou um valente
Que é muito inocente
E hoje chora feito um bandolim

AMARGO REGRESSO

Getúlio Cavalcanti

No teu amargo regresso
Paciência te peço
A vida é assim
Tristeza não faz teu bloco ganhar
E, então, para que chorar
O pranto não dá
Camisa a ninguém
Cantar é tudo que convém
Te veste de rei
Num sonho só teu
E esquece porque
Teu bloco perdeu
E abre de vez o teu coração
Banhistas é de fato campeão!

NÃO DEIXEM MORRER BATUTAS

Álvaro Alvim (Alvinho), 1962

Não deixem morrer Batutas
Não deixem Batutas morrer
Batutas tem um passado de luta
Viva Batutas
Batutas vai vencer

Que lindo bloco
Que lindo é
Nosso Batutas de São José

Tem tradição
Tem glória
Tem história
Pra valer
Não deixem Batutas morrer.

LP: “Raízes do Frevo” – Federação Carnavalesca Pernambucana – “A” / faixa 01 (Acervo do CEMCAPE)

Vale salientar que o “Batutas” é carinhosamente chamado de “O Bloco da Fé”, enquanto o “Madeiras” é também denominado de “Madeira da Fé”.

AS MÚSICAS AFINS

DIA AZUL

Capiba - 1965

O dia amanheceu azul
Azul tão lindo que me faz sonhar!
Se eu fosse um poeta popular
Cantava as belezas desse dia sem igual
Mas como eu não tenho o dom do saber,
Melhor esse dia esquecer!

Mas se Madeira aparecer
Eu não sei o que vai ser
O que vou fazer então
Eu com Madeira vou cantar
Vou pra rua, vou dançar
Com a multidão.

PRA NÃO CHORAR

Romero Amorim

Mestre Capiba do frevo e da gente
Sol riso poente em nosso carnaval
Sob os acordes de um trombone de prata
Se foi, serenata, no azul sideral !...

Não chores, Recife, no pranto do rio
O bem que partiu nos braços do mar!
Nem chores, Olinda eterna de anil,
Por quem te sorriu e te fez cantar!...

Maria Betânia, em sonho e desejo
Não chores o beijo que ele não te deu!
A valsa ainda é verde e a rosa, amarela,
A vida tão bela em tudo que era seu!

Não chores Zezita, querida metade,
A viva saudade que a dor não destrói,
Porque no jardim de tua alma parceira
O amor é “Madeira que cupim não rói”

DÓI, DÓI, DÓI ATÉ NO CORAÇÃO

Bilau do Cardoso

Madeira que o cupim não rói
Tem que ser forte como um campeão.
Pra desfilar no carnaval com raça,
Sacudir a massa e não tombar no chão.

Mas, a madeira que o cupim destrói
Vai definhando na vegetação
Como a tristeza que invade o peito
E que faz doer até no coração.

Dói, dói, dói, e ninguém não diz que não!
Mas, com Madeiras é bem diferente,
O cupim trinca os dentes...
Mas, não bota Madeiras no chão.

Como seria mais linda a nossa floresta
O Bloco Madeiras em festa
Cantando pelo matagal
E a passarada pulando de galho em galho
Caindo num passo rasgado
Curtindo o melhor carnaval.

PAU-BRASIL

Nelson Gomes Ferreira - 1992

Curtir um penta
Que saudade traz
Vamos falar dos cinco carnavais
Você foi a paixão que não convém
Paraquedista, quá-quá-quá
Sorriu também
Vem Hercy gargalhar
Deste Palácio de Alumínio
Podes te orgulhar

Tempo que marcou
Coisas mil!
Aconteceu, virou manchete
Nesse meu Brasil

Exaltação a quem deu vida fama e glória
Somos Madeiras, contando a história
De rocha
Que o cupim tentou roer, dançou

Tristeza é baixo astral
O que passou, passou
Do Norte, ao Sul, Sertão
Os aplausos veio de pé
O caneco na mão.

LP: “Raízes do Frevo” – Federação Carnavalesca Pernambucana – “B” / faixa 04 (Acervo do CEMCAPE)

CAPIBA - DE ETERNAS CANÇÕES

Alvacir Raposo e Luiz Guimarães

Capiba! Capiba!
Capiba! De eternas canções!
Hoje se acendem teus lampiões
Pelas ruas da saudade.

Capiba! Capiba!
Capiba! Essa rosa amarela
Já se encantou feito a luz de uma estrela
Que se abre no céu qual estandarte
E que se agita no cais do porto
Numa triste despedida.

Capiba! Capiba!
Capiba! De eternas canções!
Chora Madeira, chora Batutas,
Chora uma saudade ainda...

Capiba! Capiba!
Capiba, das valsas de amor!
Se há tanto amor,
Que esse amor seja enfim
Como a flor que brotou dessas canções.
Hoje o regresso ficou mais triste,
Foste embora – adeus!
Partiste...

CD: “Carnaval ano 2000” – faixa 03 Arranjo: Maestro Duda LG Projetos & Produções Artísticas

VALORES DO PASSADO

Edgard Moraes

Bloco das Flores, Andaluzas
Cartomantes,
Camponeses, Apôis-Fum
E o Bloco “Um Dia Só”
Os Corações Futuristas
Bobos em Folia, Pirilampos de Tejipió.
A Flor da Magnólia
Lira do Charmion, Sem Rival,
Jacarandá, a Madeira da Fé,
Crisantemos, “Se Tem Bote”
E “Um Dia de Carnaval”
Pavão Dourado, Camelo de Ouro e Bebé
Os queridos Batutas da Boa Vista,
E os Turunas de São José
Príncipe dos Príncipes, brilhou
Lira da Noite, também vibrou,
E o Bloco da Saudade, assim recorda
Tudo que passou.

CD: 470.271 - 20 Supersucessos – História do Carnaval – Frevo de Bloco – Faixa 10

ANEXO 5

DE CUPINS ... E DE MADEIRA

Nos ateremos aqui na descrição do cupim como elemento simbólico em várias culturas existentes no mundo. E veremos também de que forma a sua simbologia está presente em momentos históricos de forma indiscutível em nossa cultura. Antes porém, veremos de forma sucinta, como é apresentado o cupim em sua classificação como inseto. Da forma como é visto pelos biólogos, sem simbolismo ou fantasia.

O cupim sem fantasia

A classificação taxonômica do cupim aponta para um inseto social da ordem Isóptera, com 1.900 espécies. Apresentam, enquanto comunidade, uma organização em que indivíduos intimamente relacionados convivem em grupos.

Sua distribuição geográfica abrange todos os países da África e América do Sul – onde nenhuma estrutura de madeira está a salvo de sua voracidade.

Têm por habitus a construção de caminhos cobertos de terra ou pó de madeira, por onde se deslocam não expondo-se à luz, calor ou vento, para evitar a ressecação de sua pele. Os indivíduos não sobrevivem fora da colônia. A maioria das espécies come madeira e tem protozoários flagelados e simbióticos em seus intestinos, que digerem celulose. Outras espécies comem matéria vegetal ou detritos. Algumas atacam plantas vivas. Muitas espécies comem terra, digerindo seus componentes orgânicos e construindo com o barro excretado, montes duros como pedras sobre seus ninhos. Estes montes podem atingir até oito metros de altura.

A sua organização social tem sido motivo de vários estudos por parte de biólogos e sociólogos, onde todos são unânimes em afirmar que ela apresenta uma divisão em castas. Cada colônia geralmente tem um rei e uma rainha, soldados e trabalhadores estéreis e sem asas, e várias “pupas” (ninfas) em desenvolvimento. As fêmeas exercem o papel de operárias e soldados e os machos não trabalham. Periodicamente, surgem reprodutores com asas que deixam o ninho em exames para procriar e fundar novas colônias. A composição da colônia é regulada quimicamente pela troca de comida regurgitada. Algumas rainhas vivem por dez anos, ficam imensamente inchadas e põem um ovo a cada dois segundos.

Como elo na cadeia alimentar o cupim serve de alimento para algumas espécies animais, a exemplo do tamanduá e várias espécies de pássaros. Estes os encontram em troncos de árvores ou em cupinzeiros.

O cupim multicultural

O "Dicionário de Símbolos" nos apresenta os seguintes elementos que tratam do cupim e sua simbologia:

"Apesar de a vida dos cupins ser, geralmente, semelhante à de suas primas, as formigas, diversos elementos simbólicos lhes são peculiares. Primeiramente, a finalidade de sua atividade é considerada de forma distinta: é símbolo de destruição lenta e clandestina, mas impiedosa; isto é o que ela é efetivamente na realidade, ao menos do ponto de vista dos homens terra-a-terra".

"Na Índia acredita-se que o cupinzeiro possua uma função protetora talvez porque a atividade subterrânea dos insetos coloque-os em ligação com as nefastas influências provindas da terra. As relações entre o cupim e a matéria-prima são confirmadas, na Índia, por sua conhecida relação com os nagas; e talvez seja por isso que se obtenha chuva no Kampuchea (Cambodja) enterrando uma vara num cupinzeiro. ( CHOA, DAMS. GRIE, PORA)".

“Para os montanheses do Vietnã do Sul, ocasionalmente, o cupinzeiro é a residência do gênio superior Ndu, que garante e protege as colheitas. É, portanto, uma garantia de riqueza.” “O cupinzeiro tem um sentido simbólico e esotérico extremamente complexo, importante no pensamento cosmogônico e religioso dos dogons e bambaras. Nos mitos de criação do mundo, representa, em princípio, o clitóris da terra, erigido contra o céu, tornando-se imperfeita a primeira união urano-telúrica. Esse clitóris é a polaridade masculina da mulher, que deve, por isso, ser extirpada. É, também, o símbolo do único, erguendo-se e, de uma certa forma, opondo-se à criação, completamente regida pelo princípio da dualidade ou da germinação. Essa concepção do cupim, como símbolo de poder solitário e misterioso, faz com que os poucos grandes iniciados das sociedades bambaras, que atingiram o mais alto grau de perfeição espiritual acessível ao homem, sejam denominados aqueles de detrás do cupim ( ZAHB, 135).”


79) Dicionário de Símbolos – J. Chevalier e A. Gheerbrandt – José Olímpio Editora, 1988, p. 318.


Em Evans-Pritchard, encontramos referências ao cupim como elemento ligado ao imaginário da tribo dos Zande. Quando alguém consulta o “oráculo do cupim”, o método usado é a interpretação das marcas deixadas pelos cupins em duas varas enfiadas no cupinzeiro no qual estas permanecem por algum tempo.

Por ser a magia, entre os Zande, uma constante e obsessiva preocupação, eles consultam vários oráculos e de forma freqüente. De acordo com as suas posses um Zande pode consultar o oráculo de veneno, das térmitas ou de atrito. A confiabilidade nas repostas dadas em cada caso depende muito do tipo de oráculo consultado.

Nos diz Evans-Pritchard que:

“Depois do oráculo de veneno, os Azande respeitam o dakpa, ou oráculo das térmitas. O dakpa é o oráculo de veneno do pobre. Não se gasta muito porque basta a um homem achar uma termiteira e enfiar dois ramos de árvores de espécies diferentes em um dos seus buracos e voltar no dia seguinte para ver qual dos dois as térmitas comeram”. Há, no entanto para os Azande que consultam este oráculo, o inconveniente de se ter resposta em um lapso de tempo no mínimo igual a uma noite inteira. Este é considerado pelos Azande como um oráculo seguro, pois as térmitas ( ou cupins ) só ouvem as perguntas que lhes são dirigidas, ignorando todo o falatório que se passa ao redor. Ele é normalmente consultado para responder sobre a saúde dos Zande. As árvores cujos galhos servem para este oráculo são o dakpa e o kpoyo, muito abundantes na região. As respostas são dadas e interpretadas em função da forma como os galhos foram devorados, se ambos os galhos formam tocados pelos cupins, se somente um dos dois foi comido, parcialmente ou totalmente, ou se nenhum foi tocado.


80) “Os Bambara habitam o Sudão ocidental, às margens do rio Níger. São hábeis artesãos, trabalhando o ferro e o bronze. Produzem títeres, estatuetas, casais em encontros satírico ou humorístico e ídolos gêmeos. São também muito conhecidas as suas máscaras de antílopes, dos dois sexos, de madeira pirogravada.

É notável a arte dos Dogon, sobretudo as estátuas antigas de madeira, representando figuras humanas e animais, suas máscaras de hiena, antílope, pássaro, macaco, serpente, ou a de seu crocodilo mítico, Kanaga, que teria levado às costas, pelo Níger, os povoadores chegados do sul. De sessenta em sessenta anos os dogon fazem uma máscara-mãe com cerca de dez metros de largura, que serve de modelo a todas as outras e, em seu sacrário, recebe sacrifícios e oferendas”. Fonte: Nova Enciclopédia Barsa – Macropédia. São Paulo:Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda, 1997, vol 1, p. 125.

45) EVANS-PRITCHARD, E. E. Bruxarias, Oráculos e Magia entre os Azande. Rio de Janeiro:Zahar, 1978.


Como vimos, na cultura Zande o cupim tem um caráter de colaborador nas decisões que afetam aquele povo. No imaginário Zande o cupim atua como um ente que liga o destino dos humanos a forças superiores que orientam os insetos na hora de darem uma resposta às suas perguntas.

ANEXO 6

ICONOGRAFIA INDISPONÍVEL

ANEXO 7

ENDEREÇOS DAS ENTIDADES LIGADAS A ESTE TRABALHO

Casa do Carnaval

Pátio de São Pedro, casa n° 52, Bairro de São José, centro. Possui acervo de peças carnavalescas, como Estandartes, Figuras de Bumba-meu-Boi, Peças de Maracatu, Flabelos, e literatura específica.

Federação Carnavalesca Pernambucana

Pátio de Santa Cruz, Bairro da Boa Vista, centro. Guarda peças de agremiações carnavalescas, como Estandartes e documentários em vídeo, dos desfiles anuais.

Museu do Frevo “Levino Ferreira”

Casa da Cultura, Raio Oeste, Cela n° 302, Bairro de Santo Antônio, centro. Guarda um acervo de peças carnavalescas, Estandartes, máscaras, miniaturas de flabelos, e um inestimável acervo de partituras de músicas e discos de carnaval, os mais raros, contando com aproximadamente 800 peças. Local de encontro dos amantes e defensores do frevo, com reuniões todos os primeiros e terceiros sábados de cada mês. Constitui-se em um foco de criatividade e apoio a todos que preservam o carnaval de Pernambuco, através do CEMCAPE (Centro da Música Carnavalesca de Pernambuco), incentivando a música do carnaval de Pernambuco.

Rádio Universitária FM (99,9 MHz) (UFPE)

Mantém rico acervo discográfico e promove programação voltada para os eventos culturais, mormente dos festejos momescos e de outras manifestações do ciclo folclórico do Estado de Pernambuco. Destacando-se na programação voltada para a preservação e divulgação do frevo, os quadros O bloco está na rua (domingos das 8 às 9 h) e “O Tema é frevo” (aos sábados e domingos das 16 às 17 horas), produzidos respectivamente pela radialista Mirian Leite, e pelo radialista Hugo Martins.

Biblioteca Central (e Setoriais) da Universidade Federal de Pernambuco

Campus da Universidade, na Cidade Universitária, bairro da Várzea.

Biblioteca Pública Estadual Presidente Castelo Branco

Rua João Lira, s/n, Parque Treze de Maio, bairro da Boa Vista, centro. Contando com um acervo de 190 mil livros, além de jornais e revistas, partituras musicais, vídeos e documentos.

Arquivo Público do Estado “Jordão Emerenciano” (APEJE)

Rua do Imperador D. Pedro II, nº 371, bairro de Santo Antônio, centro, CEP 50010-420. Principal arquivo da cidade.

Núcleo Interdisciplinar de Estudos Sobre o Imaginário (UFPE)

Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Pós-graduação em Antropologia, 13° andar. Cidade Universitária, CEP 50.670-901, Recife/PE. Tel/fax: (081) 3271 8282

Associação Ilê Setí do Imaginário

Reune-se no 13° andar do CFCH (UFPE) e tem por objetivo difundir, estimular e desenvolver atividades pertinentes ao Imaginário da cultura brasileira, através da promoção de ciclos de estudo, cursos, palestras, conferências e debates, no âmbito do Município, do Estado e do País, dentre outras.

ANEXO 8

“INJUSTIÇA DÓI”

“Cultura e Educação são vertentes
que sustentam a identidade brasileira”

Nelly Carvalho

“O emocionante espetáculo de Antonio Carlos Nóbrega, tecido com as raízes das mais legítimas tradições, tomou como título o hino do Bloco Madeira do Rosarinho: Madeira que cupim não rói. O estribilho completo é ‘queremos dizer que a injustiça dói, somos madeira de lei que cupim não rói’. A letra dá a entender que o bloco, sentindo-se prejudicado em algum Carnaval perdido nas brumas do tempo, lembrava aos juízes que ‘a injustiça dói’, mas não dobra o ânimo. Acima de tudo, não dobra o ânimo daqueles que reconhecem seu próprio valor e seus direitos e sabem que julgamentos e decisões podem ser frutos de interesses escusos e intenções, idem. Por isso, continua a estrofe: ‘Viemos defender a nossa tradição, queiram ou não queiram os juízes, o nosso bloco é de fato o campeão’.

O hino pode ser adotado como lema de resistência em sentido amplo, para qualquer campo e caso. Assim, quando Ariano Suassuna diz que a cultura brasileira lembra a mulher do piolho, na sua teimosia em não morrer à avalanche de importações e deformações, refere-se a essa capacidade de resistência da madeira de lei.


81) Nelly Carvalho é professora do Departamento de Letras da UFPE.

82) Ariano Suassuna, escritor e dramaturgo, principal animador do Movimento Armorial, cuja proposta é que se faça uma cultura sem a divisão entre erudita e popular. Ele faz uma nova leitura da cultura nordestina; transpõe a literatura de cordel para o erudito.


O próprio espetáculo de Nóbrega é um desses exemplos. Prestigiadíssimo pelo público pernambucano, com comentários elogiosos veiculados pela FSP, insuspeito, portanto de viés de regionalismo, ainda assim não tem a repercussão que merece.

Entre outras coisas, a FSP lembrou que o Show tem o dom de reviver esperanças no futuro da cultura, insinuando esperançosamente que ‘há quem diga que a arte pernambucana está tomando o cenário nacional, dando fim a um período de predominância baiana’. Seu show seria a expressão de um novo reinado. Apesar disso, a música e dança brasileira são representadas na mídia nacional e internacional por conjuntos de lastimável categoria do Tchan, que por golpe de sorte e de marketing, com mau gosto e apelação, superam representantes da música de boa qualidade. O hino da resistência, porém, lembra que os verdadeiros talentos como o de Nóbrega, perduram, e os falsos vão para a lata do lixo do esquecimento.

‘Queiram ou não queiram os juízes’ pode ser a denúncia de outras situações de injustiça: da forma como é tratado um Estado, uma região, uma cultura, uma classe, uma instituição.

Bem que poderiam usá-la o funcionalismo público, nova Ana dos Mil Dias, com os salários congelados por três anos, para facilitar uma reeleição empurrada goela abaixo. Bem que poderiam usá-la o sistema de ensino público superior, submetido a um desmonte irresponsável e sem precedentes. Para os juízes (ou os algozes?) da equipe econômica, a universidade pública poderia desfilar como fez Madeira, todo o elenco de serviços prestados à nação e dos quais esta mesma equipe beneficiou-se. Pode mostrar ser quem oferece o melhor ensino superior como provou o provão, preparado com intenções assumidas.

Pode mostrar que é um ‘bloco campeão’, porque supera as dificuldades regionais e estabelece uma rede essencial de informação em todo o território nacional. O país não se resume aos atos dos trapalhões na administração que podem gerar conseqüências irreversíveis.

Cultura e Educação são vertentes que sustentam a identidade brasileira e que nos convidam a cantar como o bloco ‘Somos Madeira de lei que o cupim não rói’, mesmo quando o cupim é globalizado, privatizante, economicista e neoliberal”.


83) Esta é uma transcrição ipsis litteris do artigo publicado no Jornal do Commercio, no Recife, em 30 de outubro de 1997. Texto gentilmente cedido por JULIO VILA NOVA, fundador e diretor musical do Bloco Carnavalesco Lírico Cordas e Retalhos.